quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Wilson Lima fecha bares para que crianças possam ir à escola

 Wilson Lima fecha bares para que crianças possam ir à escola

Após um breve período de estabilização, o número de contaminados por covid-19 voltou a subir no estado do Amazonas. Alguns especialistas já apontam uma segunda onda da doença; sobretudo em Manaus, capital amazonense, que ainda nem ao menos se recuperou do primeiro pico de contágio. Como resposta a esses números em ascensão, o governador Wilson Lima, na manhã desta quinta-feira (24/09/2020), fez um pronunciamento, no qual anuncia um decreto que, além de restringir o horário de funcionamento de algumas atividades, promove a suspensão do funcionamento de bares, baladas e flutuantes, mas que, contraditoriamente, garante a abertura de escolas e unidades de atendimento a crianças e a idosos.

Além das medidas em si, chamou a atenção a forma como elas foram apresentadas e justificadas. No pronunciamento, o governador não apresentou nenhum argumento científico ou sanitário para fundamentar as decisões que está tomando. As justificativas apresentadas (porque não dá para chamá-las de argumentos) foram puramente morais, o que é, no mínimo, estranho, já que não tem que haver moralidade nenhuma na decisão de se permitir ou suspender qualquer atividade por conta da pandemia – salvo a moralidade de se o Estado deve ou não colocar em risco a vida das pessoas. Nessas decisões, o que deve ser levado em conta é somente o que a ciência e as pesquisas dizem. 

Essa estranheza some quando analisamos bem o pronunciamento. Se fazemos isso, percebemos que todo o discurso foi, na verdade, só uma estratégia retórica para conseguir fazer as pessoas engolirem a volta às aulas do ensino fundamental e a manutenção das do médio. 

Em diversos momentos, Wilson Lima associa a volta às aulas com o fechamento de bares. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Afinal, qual é a relação real e objetiva que há entre o fechamento de bares/baladas/flutuantes e a abertura das escolas? Nenhuma! É possível fechar aqueles sem abrir estas. O fato é que ele associa essas coisas para, conscientemente, manipular a opinião pública. Tal manipulação discursiva parece ser construída para servir de munição aos defensores da volta às aulas, de modo que, quando alguém reivindicar o fechamento das escolas, outro possa retrucar (mesmo que logicamente não faça o menor sentido): “Então você é a favor da abertura dos bares?”.

Aliás, é óbvio que os bares devem estar fechados em um caso como este, de aumento dos números de contaminação, pois são espaços de alta possibilidade de contágio. No entanto, não é isso que está sendo usado como justificativa para fechá-los. Em nenhum momento, Wilson Lima toca nesse ponto; pelo contrário, em sua fala predomina a estratégia de relacionar os dois espaços para empurrar a decisão de abrir as escolas. Inclusive, não só as escolas: o governador anunciou também que vai reabrir os centros de atendimento a crianças e os centros de atendimento a idosos. Decisões tomadas arbitrariamente que explicitam que nada do que está sendo feito é pensando na proteção da população. Não faz sentido em um momento em que a pandemia está aumentando seu número de vítimas, o estado promover a aglomeração de crianças e de idosos, cada grupo em seu respectivo centro. Isso porque os primeiros são um dos principais focos de transmissão, já que a maioria é assintomática; e os segundos são o principal grupo de risco.

É preciso que se diga a verdade: Wilson Lima quer empurrar uma decisão monocrática goela abaixo da população, sem que ela tenha sequer a oportunidade de se revoltar ou mesmo se indignar com isso. Para tanto, ele está jogando com o moralismo e a culpa das pessoas. Assumindo, com esse fim, uma postura paternalista ao culpar a população pelos seus próprios erros como governante e, em seguida, colocá-la de castigo. A população, por sua vez, deveria lembrar o “papai” de que tudo isso que está acontecendo é culpa dele e de sua má administração, a qual não possui nenhuma política para que as pessoas se conscientizem realmente do problema – pelo contrário, o que se vê é o governador forçando uma normalização do atual estado de coisas e uma banalização da morte, em prol do seu projeto político. Dessa forma, com o pronunciamento de hoje, Wilson Lima tenta tirar o corpo fora da situação e, não só isso, tenta jogar na conta do povo os erros que, reiteramos, são culpa de sua política.

Apesar de estar evidente que o pronunciamento não foi para anunciar as medidas restritivas, mas para abrir as escolas, alguns jornais (inclusive de grupos que apoiam ele) já estão noticiando erroneamente o referido pronunciamento como "Decreto volta a suspender o funcionamento de baladas", quando, na verdade, o que deveria ser noticiado é "Wilson Lima anuncia volta às aulas do ensino fundamental, mesmo com alta no número de casos de covid-19". 

Ditas essas coisas, fica a pergunta: por que Wilson Lima insiste no plano de reabertura das escolas? Os motivos são muitos, dentre os quais estão, por exemplo, os interesses de empresários ligados à educação particular. Mas o principal com certeza é a própria campanha política. Wilson Lima tem usado como propaganda desse governo o fato de o Amazonas ter reduzido o número de casos de covid-19 e ter sido o primeiro estado a voltar às aulas. Ele repete sempre isso com orgulho e repetiu nesse pronunciamento. Se por acaso tiver que voltar atrás, essa boa publicidade vai se tornar uma propaganda negativa, visto que além de explicitar que ele tomou uma decisão errada, vai ter de levá-lo a justificar os gastos gerados com essa decisão. Mas para não voltar atrás e manchar a imagem do seu governo, ele não se incomoda de colocar a vida das pessoas em risco, nem de manipular a opinião da população amazonense, jogando nela a culpa dos resultados da sua péssima administração pública. Assim, para satisfazer os próprios interesses de poder, Wilson Lima está jogando com a vida das pessoas. 

E vamos aceitar isso?