terça-feira, 2 de março de 2021

O BASE MAO MUDOU DE ENDEREÇO!


BASE MAO: o espectro ainda ronda

Em 29 de julho de 2019, um grupo de desconhecidos resolveu desafiar o traço dominante de sua cidade: o silêncio. Este paira sobre ela desde tempos imemoriais, de modo que não admira os muitos mecanismos que essa cidade desenvolveu para abafar qualquer ruído. O resultado disso foi uma população amortecida, em que as raras iniciativas contra a ordem estabelecida são efêmeras, não encontrando solo fértil para se desenvolverem. No plano político, o seu desdobramento é a condição estática, uma vez que a população se limita a assistir a alternância de oligarquias no poder, as quais não acarretam nenhuma alteração estrutural.

Não obstante, se o contexto local não é favorável, tampouco o era o cenário geral. O mundo ocidental, como um todo, vivia o fim das ilusões socialdemocratas. E o país, àquela altura, já tinha se atirado no abismo em que se encontra, refutando de vez qualquer resquício da natureza cordial apontada por Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil. Antes, a animosidade vista se assemelha mais à cadela no cio da qual falava Brecht.

Absurda, portanto, foi a empreitada do tal grupo: criar um espaço para falar. Mas falar o quê? Ora, toda palavra que quisesse ser dita, independentemente de que gênero for. O importante era não mais se resignar a mudez. Assim, sem censura, tabu, ou chefe, o Base Mao fez-se. Um trabalho hercúleo, sem dúvida, pois além de falar é preciso procurar diuturnamente quem ouça.

Diante de tantas adversidades, a trajetória do Base Mao foi marcada por hiatos. Em cada um deles, os opositores logo se apressavam em anunciar a morte do blog. Mas o espectro continuava rondando. Nunca desistir, era o seu pensamento.

Agora, quando a antiga sociedade entra em colapso, o Base Mao retorna para movimentar as ideias. Mantendo a linha combativa que sempre teve, embasada na ciência do proletariado desenvolvida por Marx-Engels, se consolida como um espaço livre para o diálogo — teórico ou estético — entre as bases políticas. As mudanças foram poucas, mas significativas. Primeiro, estamos em novo endereço: do basemao.blogspot.com migramos para o medium.com/basemao. Segundo, contamos agora com uma equipe fixa de colaboradores, que manterão as rodas girando a despeito das intempéries, o que não descartará colaborações esporádicas que podem ser feitas através do e-mail basemao2019@gmail.com.

No mais, segue a mesma presunção de outrora, firme na crença do impossível, indo assim na contramão do discurso derrotista que assola as organizações canhotas Brasil afora.

Juntos, seguimos.

Hasta la victoria siempre.

 

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Novo endereço: medium.com/basemao

sábado, 6 de fevereiro de 2021

A velha política no novo Amon, por Elder Monteiro

Amon (PODEMOS), vereador
A velha política no novo Amon
 Por Elder Monteiro
 Professor e Sociólogo
 
Minha experiência como sociólogo e amante das questões relacionadas a sociedade me fazem afirmar que uma das questões mais complexas de entendimento para as pessoas tem a ver com a diferença ou nuances entre os aspectos individuais e os estruturais. Afinal, o que define você, caro leitor, suas escolhas ou as questões relacionadas a sua família, amigos ou demais aspectos sociais? Esse é um problema clássico na sociologia e sua resposta está contida num gradiente que vai dos aspectos mais individuais aos mais coletivos. Apesar disso, sabe-se que a solução desse problema não é estanque. Sob estas condições, não seria possível fazer afirmações extremas, tais como: “tudo que sou é fruto das minhas escolhas” ou “tudo que sou é fruto da minha família ou dos meus amigos”. Ao contrário disso, a experiência na compreensão das ações sociais faz perceber que cada caso possui sua própria teia intrincada de fatores.

Certamente, cada um dos que estão lendo esse texto já teve contato com algum tipo de jogo, tais como: xadrez, baralho, uno (adoro!), futsal, vôlei, handebol, entre outros. Todo jogador precisa de alguns pré-requisitos para entrar num jogo com condições de disputá-lo. Podemos citar algumas básicas: a) conhecer as regras; b) habilidades mínimas que exigem, inclusive, o conhecimento de usar as regras a seu favor ou de seu grupo; c) posso citar algo imponderável: sorte; d) Por último, e se for disputar valendo algo, são necessárias condições materiais. A política possui regras similares. O bom jogador deve possuir os pré-requisitos mínimos. Nicolau Maquiavel foi o primeiro autor moderno a apresentar as regras da política e a maneira como o animal político (zoon politikon) deveria lidar com cada uma delas. Noutras palavras, poderíamos afirmar que muitos autores avaliaram a política como eles gostariam que ela fosse, mas foi Maquiavel o responsável por apresentá-la como ela realmente é. Assim, o florentino nos mostrou as vísceras da política e o que vimos não foi - digamos assim - muito agradável. Estudar O príncipe e tornar-se um player (jogador) da política faz o indivíduo curioso refletir sobre a relação entre as regras e os jogadores ou, sob outro olhar, a relação entre as estruturas e os indivíduos.

E o Amon com isso? Pera, agoniado! Segue comigo! O resultado das eleições municipais de 2020 apresentou algumas “novidades” para a Câmara Municipal de Manaus – CMM. Os meios de comunicação de Manaus alardearam que houve uma renovação de quase 60%. Entretanto, para um observador mais atento, não foi bem assim. É verdade que os rostos são novos, mas continuam fortalecendo os antigos grupos políticos que constroem Manaus e o Amazonas a partir de antigas práticas e ideias. Fazer um panorama desses partidos demandaria outro texto. Apesar disso, é possível afirmar que 74% dos novos rostos da CMM faz parte de partidos ligados ao chamado Centrão, conglomerado de partidos com articulação nacional que tende a apoiar quem estiver no poder em troca de cargos políticos. Então, caros leitores, Amon está filiado ao Podemos, partido que tende a compor esse Centrão. Entretanto, o contexto político onde Amon se meteu apresenta outros elementos igualmente importantes e tendem a influenciar a sua caminhada política.

1) É um rosto novo da política. Sim, não podemos negar. Amon realmente é uma novidade pensando do ponto de vista individual. Isso é um aspecto positivo e também negativo, no caso do Amon. Positivo porque o atual contexto político brasileiro ainda percebe com bons olhos os novos rostos que se apresentam para ocupar os espaços de poder. As críticas intensas as formas de organização político-democráticas fazem com que o “novo” apareça como uma esperança de mudança. Mais recentemente esse aspecto positivo dialogou com uma atuação política ativa do Mandato de Amon frente ao caos que Manaus estava vivendo. Amon poderia seguir os mesmos passos dos novos rostos da política amazonense dentro dos partidos tradicionais que ficam “na sua” e vão assumindo os cargos. Pronto! Resolvido! Mas não! A atuação ativa de Amon preencheu um espaço que a população manauara é órfã, qual seja, a de políticos propositivos de oposição. Sob esta condição, vimos uma enxurrada de elogios nas redes sociais ao neófito e, ao que parece, ele se empolgou. Pior que isso: alguém o deixou se empolgar propositalmente com o objetivo de cumprir objetivos outros. Por outro lado, podemos evidenciar o aspecto negativo de ser um rosto novo na política: no caso do Amon, será manter a expectativa constituída pela sua atuação inicial. Ele não poderá! Ele se empolgou e foi com muita sede ao pote aparentemente sem avaliar os demais aspectos descritos abaixo.

2) Faz parte de um velho grupo. Amon entrou na política institucional a partir de um partido denominado Podemos, ex-PTN. Então, atualmente é o partido de Amazonino Mendes, adversário de David Almeida (Avante) no Segundo Turno das eleições de 2020. Essa conjuntura também contribuiu para a possível ousadia de Amon ao criticar o atual prefeito, pois, em tese, ele ainda é oposição. Vale ressaltar que o Podemos apoiou David Almeida para o governo nas eleições de 2018. Tudo isso é confuso? É mesmo! Não é fácil avaliar a política amazonense, pois os partidos tradicionais e os políticos mudam conforme o vento do poder. Como dizem, a política amazonense não é para principiante. Assim, colegas, Amon está contido dentro de um grupo político que possui uma história e, com isso, um modus operandi a ser seguido. A estrutura (política) cobra uma postura do indivíduo (Amon). A permanência de Amon nesse grupo político faz com que ele siga o “padrão Amazonino” de política no mandato dele e o seu gabinete, certamente, já deve estar cheio de assessores da base aliada desse político citado. A sua ação política, inclusive a seleção para o gabinete dele, tem que servir para dar condições políticas a Amazonino e a seu grupo. Ao fim e ao cabo, apoiar Amon é servir como base às articulações de Amazonino e, com isso, dar condições da existência de políticos como Omar Aziz, Eduardo Braga, Alfredo Nascimento e similares.

3) Por fim, citarei o ponto mais forte e o mais fraco de Amon: a sua família. Para o grupo político com o qual se meteu, tem que ter condições materiais e políticas de barganha. A família de Amon tem uma relação estreita com o alto escalão do poder judiciário amazonense. Esse dado habilita política e materialmente um jogador para iniciar o jogo. Amon teve um grande empurrão nesse aspecto. O conhecimento das regras e as habilidades necessárias pode ter a ajuda de assessores mais experientes. Com relação ao aspecto “sorte”, não depende de regras, obviamente. Na campanha eleitoral de 2020, Amon foi um dos candidatos que mais recebeu doações. Mais de 300 mil reais. Seu avô doou mais de 40 mil e as doações familiares seguem. Me permitam uma pequena divagação para informar que, a título de comparação, a Bancada Coletiva (PSOL) recebeu quase 5 vezes a menos e obteve mais votos que o Amon. O fenômeno Bancada Coletiva merece uma análise específica. Sigamos. Por outro lado, o fato de sua família ter determinada inserção em espaços de poder, faz com que essa mesma família seja muito vigiada e será cobrada pelos possíveis equívocos realizados no passado, no presente e no futuro. Noutras palavras, Amon terá que fazer os cálculos quando for atuar contra um ou outro grupo de poder, pois a entrada dele no cenário político expõe os seus familiares e players do judiciários que costumam trabalhar nos bastidores do poder amazonense. Não sei se Amon percebeu isso, mas é prática comum por parte das antigas dinastias políticas amazonenses o ataque direto aos familiares “não-políticos” dos seus adversários. Um exemplo disso foi o que ocorreu quando eu ainda escrevia esse texto, qual seja, os grupos políticos foram vasculhar os contratos sob a responsabilidade da instituição comandada por um familiar de Amon para colocar esse último em xeque. Serviu como recado para o recém-vereador: se você tretar conosco, nós vamos tretar com você e a sua família. 

Portanto, levando em consideração o que foi apresentado, é possível afirmar que o político Amon possui aspectos inovadores com data de validade muito próxima do fim, pois o seu mandato não pode destoar das práticas estabelecidas pelo grupo no qual se vinculou. A continuidade das suas ações como se fosse um Marcelo Freixo (PSOL/RJ) de Manaus certamente o levaria a uma quebra com sua própria organização política e isso certamente traria problemas para a sua própria família por conta das inserções desta nos espaços de poder amazonense. Noutras palavras, Amon é o indivíduo dentro da estrutura da política amazonense e, infelizmente, a sua tendência é ficar “pianinho” para os desmandos do seu próprio grupo. A regra é clara, diria ironicamente e arnaldamente Maquiavel. É, caro leitor, infelizmente Amon é o mais novo representante de uma velha estrutura que o ajudou na eleição. Gostaria de dizer coisa diferente, mas a fatura está chegando e o jovem Amon tenderá a seguir os mesmos passos dos outros novos rostinho que cometeram o equívoco de realizar trocas políticas com os velhos grupos que dominam a política local.

domingo, 31 de janeiro de 2021

Sidney Leite declara voto ao candidato do Bolsonaro na Câmara dos Deputados Federais, por Jonas Araújo

 

Croqui do Congresso Nacional, de Oscar Niemeyer

Sidney Leite declara voto ao candidato do Bolsonaro na Câmara dos Deputados Federais
por Jonas Araújo

O Deputado Federal Sidney Leite, do Amazonas, resolveu declarar voto no Arthur Lira para a Presidência da Câmara dos Deputados.

Para quem não está acompanhando essas eleições aí vai uma análise rápida. 

1. A câmara dos deputados faz parte do poder legislativo que tem por função fiscalizar e aprovar leis no Brasil. 

2. Cabe a câmara dos Deputados Federais investigar ações do Executivo que estejam em desacordo com a legislação brasileira. Como por exemplo o envolvimento da família do presidente no assassinato da vereadora Marielle Franco. Ou o fato do presidente ter preferido gastar milhões em leite condensado em vez de comprar oxigênio para Manaus. Entre vários outros abusos de poder.

3. Hoje na câmara dos deputados existem mais de 50 pedidos de Impechment do Bolsonaro por todos os absurdos feitos pelo atual presidente.

4.Esta eleição ocorrerá em dois turnos.

5. Arthur Lira(PP-AL) é o candidato de Bolsonaro. Se ele for eleito a câmara dos deputados federais vai virar um anexo da presidência da república. Bolsonaro quer apoio da câmara para mudar a forma de eleição no Brasil e se manter no poder.

6 Baleia Rossi (MDB- SP) é o candidato de Rodrigo Maia (atual presidente da Câmara). Defensor da política econômica da PEC de gastos públicos, reforma tributária e etc. Rodrigo Maia afirma que  Rossi vai manter a ordem democrática.

7. Luiza Erundina (PSOL-SP) é a candidata socialista que defende o impechment do Bolsonaro e a revogação das medidas absurdas dos governos Temer e Bolsonaro.

8.  A direita tem mais dois candidatos: Fábio Ramalho (MDB-MG) e Alexandre Frota (PSDB).

9. A Extrema direita tem mais três candidatos:  André Janones (Avante-MG), General Peternelli (PSL-SP) e Marcel Van (Novo- RS).

Essas eleições são tão importantes quanto as eleições municipais que ocorreram ano passado. Faço a avaliação que o PSOL acertou em manter a candidatura da Luiza Erundina e apresentar o programa do partido no primeiro turno  e no segundo votar no anti-bolsonarismo.



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Jonas Araújo é Professor da Rede Municipal de Ensino em Manaus; Membro da Oposição Sindical  dos professores; e Presidente do PSOL - Manaus.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Nunca mais vote usando o fígado!, por Elder Monteiro

 


Nunca mais vote usando o fígado!

Por Elder Monteiro
Professor e Sociólogo

A metáfora do título é atribuída a Ulisses Guimaraes e, apesar das minhas diferenças com o político citado, tenho acordo com a afirmação em questão. Desde muito cedo aprendemos que não é bom buscar resolver problemas de “cabeça quente”. A combinação descontrolada entre raiva, ódio, amor e a resolução de problemas pode não ser recomendável e, ainda, pode causar consequências bastante indesejadas. Noutras palavras, e esse é o foco da discussão proposta, a relação entre paixões e política pode trazer graves problemas.

Quando mais jovem, eu me fazia presente na maioria dos rolês de futsal dos meus amigos do bairro Matinha, em Manaus (AM). Eram momentos divertidos, mas que também traziam consigo situações conflituosas. Era comum a divergência na hora de uma suposta falta/infração, na saída da bola das quatro linhas e, infelizmente, encontro entre inimigos. Quem já praticou algum esporte coletivo deve saber que no momento da definição de um conflito, não existe certo ou errado. O que interessa é quem ganhará a vantagem a qualquer custo. Naqueles momentos até as regras éticas de comportamento se tornam estranhas. O resultado da insistência na contradição em relação a posição das partes em conflito é, em geral, às vias de fato ou o seu quase acontecimento e, com isso, o fim da atividade. Não poucas vezes isso ocorreu e o dono da bola pula logo para resgatá-la e, assim, dar fim ao tormento que a mesma se encontra. Isso me irritava tanto! Perdi a conta das vezes que ajudei a separar brigas por causa de coisa bobas e que dariam fim aquele momento prazeroso. Para além dessas questões e de outras coisa que giravam em torno de uma briga, gostaria de chamar a atenção para uma questão: a tentativa de resolução través das paixões. Nunca deu muito certo e o resultado era o fim do jogo. A maioria saia prejudicado. Talvez os únicos contentes eram os diretamente envolvidos no conflito, pois isso satisfazia os seus egos.

Essa pequena lição pode servir para pensar as nossas ações políticas. Mas isso não é uma novidade. Desde a filosofia clássica, há o alerta para o perigo de misturar razão e paixões. Numa leitura socrática, poderíamos até afirmar que a confusão entre um e outro seria o grande “pecado” da humanidade. Ao ler o clássico O príncipe, percebemos uma alta dosagem de calculismo nas sugestões propostas por Maquiavel para quem deseja enveredar pela política. Sob estas condições, não seria um exagero compreender que entre as lições da filosofia clássica e do pai da ciência política moderna está o cuidado em lidar com as paixões na hora das decisões políticas e na vida, como um todo. Digo cuidado porque outros clássicos modernos como Max Weber reconhecem e reconectam os aspectos não-racionais as ações sociais e, portanto, também as ações puramente políticas. (Recomendo a leitura de Política como vocação).

Diante do exposto e entendendo que a relação entre razão e paixões não seja algo simples e estanque, podemos pelo menos sinalizar uma tendência no que se refere a política: use suas paixões com moderação. O contrário disso, pode se tornar uma tragédia e temos exemplos para citar.

A leitura das eleições de 2018 pode ser feita sob várias perspectivas e uma delas tem a ver com a rejeição (eu diria ódio, raiva) a um partido específico, o Partido dos Trabalhadores – PT e a tudo o que tivesse vinculado a ele. As pesquisas demonstravam que cerca de 25% do eleitorado brasileiro votaria em Bolsonaro por conta da rejeição ao PT. Isso sem considerar o eleitorado que votou em branco, nulo ou se absteve por conta desse mesmo motivo. Esses grupos somados contribuíram para a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018. Não é crime ser oposição a um grupo político, mas é um equívoco primário se mover politicamente tendo como uma das principais bases as paixões. Multiplique por dois nos casos em que não há um devido equilíbrios dessas mesmas paixões. Nessa esteira também foi eleito para o Governo do Estado do Amazonas, em 2018, um jornalista que atuava num programa com tendências sensacionalistas, Wilson Lima (PSC). Mais tarde, nas eleições de 2020, foi eleito para a Prefeitura de Manaus o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado Amazonas e base política de um governador cassado por corrupção e atualmente preso, José Melo. Falando especificamente das eleições de 2020 para a prefeitura de Manaus, tínhamos a candidatura de José Ricardo e Marklize (PT/PSOL/REDE/UP), terceira colocada no primeiro turno. Os dados divulgados pelos institutos de pesquisa sobre a rejeição ao PT, em Manaus, diminuíam as chances de vitória nessa capital. Eu arriscaria dizer que era um dos principais entraves de Zé Ricardo e Marklize numa possível disputa do Segundo Turno.

O resultado da confusão ou da má canalização das paixões na política se expressa no desastroso processo político e na má gestão pública que vivemos atualmente. A incompetência, o negacionismo, a omissão, a falta de tato político na esfera federal (Governo Bolsonaro – ex-PSL e agora sem partido) e na estadual (Governo Wilson Lima - PSC) são um total desrespeito aos parentes e familiares dos falecidos por conta de pandemia. Com relação a prefeitura de Manaus, o recém-governo David Almeida (Avante) já aparenta uma péssima relação com a coisa pública através dos indícios de permissão para que os filhos dos ricos de Manaus sejam vacinados antes mesmo dos demais profissionais que estavam na linha de frente do combate ao Covid 19. Todos esses governos foram eleitos democraticamente, mas esse é um outro debate. Sob outro olhar, é possível afirmar que a pandemia só trouxe à tona a maneira irresponsável com que o Estado brasileiro vem sendo gerido historicamente.

Por fim, é importante ressaltar que o voto é livre, mas o resultado advindo dele não o é. O voto é eminentemente individual, mas o resultado dele é eminentemente coletivo. O voto é claramente uma manifestação política e como manifestação política não pode ter como base principal as paixões, principalmente quando essa é mal utilizada. É, assim, que a má relação entre política e paixões podem trazer sérios danos à saúde e, pelo que estamos vivendo, à saúde pública. Por isso, evite usar o fígado em política e quando usar use-a, pelo menos, para o bem coletivo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Wilson Lima fecha bares para que crianças possam ir à escola

 Wilson Lima fecha bares para que crianças possam ir à escola

Após um breve período de estabilização, o número de contaminados por covid-19 voltou a subir no estado do Amazonas. Alguns especialistas já apontam uma segunda onda da doença; sobretudo em Manaus, capital amazonense, que ainda nem ao menos se recuperou do primeiro pico de contágio. Como resposta a esses números em ascensão, o governador Wilson Lima, na manhã desta quinta-feira (24/09/2020), fez um pronunciamento, no qual anuncia um decreto que, além de restringir o horário de funcionamento de algumas atividades, promove a suspensão do funcionamento de bares, baladas e flutuantes, mas que, contraditoriamente, garante a abertura de escolas e unidades de atendimento a crianças e a idosos.

Além das medidas em si, chamou a atenção a forma como elas foram apresentadas e justificadas. No pronunciamento, o governador não apresentou nenhum argumento científico ou sanitário para fundamentar as decisões que está tomando. As justificativas apresentadas (porque não dá para chamá-las de argumentos) foram puramente morais, o que é, no mínimo, estranho, já que não tem que haver moralidade nenhuma na decisão de se permitir ou suspender qualquer atividade por conta da pandemia – salvo a moralidade de se o Estado deve ou não colocar em risco a vida das pessoas. Nessas decisões, o que deve ser levado em conta é somente o que a ciência e as pesquisas dizem. 

Essa estranheza some quando analisamos bem o pronunciamento. Se fazemos isso, percebemos que todo o discurso foi, na verdade, só uma estratégia retórica para conseguir fazer as pessoas engolirem a volta às aulas do ensino fundamental e a manutenção das do médio. 

Em diversos momentos, Wilson Lima associa a volta às aulas com o fechamento de bares. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Afinal, qual é a relação real e objetiva que há entre o fechamento de bares/baladas/flutuantes e a abertura das escolas? Nenhuma! É possível fechar aqueles sem abrir estas. O fato é que ele associa essas coisas para, conscientemente, manipular a opinião pública. Tal manipulação discursiva parece ser construída para servir de munição aos defensores da volta às aulas, de modo que, quando alguém reivindicar o fechamento das escolas, outro possa retrucar (mesmo que logicamente não faça o menor sentido): “Então você é a favor da abertura dos bares?”.

Aliás, é óbvio que os bares devem estar fechados em um caso como este, de aumento dos números de contaminação, pois são espaços de alta possibilidade de contágio. No entanto, não é isso que está sendo usado como justificativa para fechá-los. Em nenhum momento, Wilson Lima toca nesse ponto; pelo contrário, em sua fala predomina a estratégia de relacionar os dois espaços para empurrar a decisão de abrir as escolas. Inclusive, não só as escolas: o governador anunciou também que vai reabrir os centros de atendimento a crianças e os centros de atendimento a idosos. Decisões tomadas arbitrariamente que explicitam que nada do que está sendo feito é pensando na proteção da população. Não faz sentido em um momento em que a pandemia está aumentando seu número de vítimas, o estado promover a aglomeração de crianças e de idosos, cada grupo em seu respectivo centro. Isso porque os primeiros são um dos principais focos de transmissão, já que a maioria é assintomática; e os segundos são o principal grupo de risco.

É preciso que se diga a verdade: Wilson Lima quer empurrar uma decisão monocrática goela abaixo da população, sem que ela tenha sequer a oportunidade de se revoltar ou mesmo se indignar com isso. Para tanto, ele está jogando com o moralismo e a culpa das pessoas. Assumindo, com esse fim, uma postura paternalista ao culpar a população pelos seus próprios erros como governante e, em seguida, colocá-la de castigo. A população, por sua vez, deveria lembrar o “papai” de que tudo isso que está acontecendo é culpa dele e de sua má administração, a qual não possui nenhuma política para que as pessoas se conscientizem realmente do problema – pelo contrário, o que se vê é o governador forçando uma normalização do atual estado de coisas e uma banalização da morte, em prol do seu projeto político. Dessa forma, com o pronunciamento de hoje, Wilson Lima tenta tirar o corpo fora da situação e, não só isso, tenta jogar na conta do povo os erros que, reiteramos, são culpa de sua política.

Apesar de estar evidente que o pronunciamento não foi para anunciar as medidas restritivas, mas para abrir as escolas, alguns jornais (inclusive de grupos que apoiam ele) já estão noticiando erroneamente o referido pronunciamento como "Decreto volta a suspender o funcionamento de baladas", quando, na verdade, o que deveria ser noticiado é "Wilson Lima anuncia volta às aulas do ensino fundamental, mesmo com alta no número de casos de covid-19". 

Ditas essas coisas, fica a pergunta: por que Wilson Lima insiste no plano de reabertura das escolas? Os motivos são muitos, dentre os quais estão, por exemplo, os interesses de empresários ligados à educação particular. Mas o principal com certeza é a própria campanha política. Wilson Lima tem usado como propaganda desse governo o fato de o Amazonas ter reduzido o número de casos de covid-19 e ter sido o primeiro estado a voltar às aulas. Ele repete sempre isso com orgulho e repetiu nesse pronunciamento. Se por acaso tiver que voltar atrás, essa boa publicidade vai se tornar uma propaganda negativa, visto que além de explicitar que ele tomou uma decisão errada, vai ter de levá-lo a justificar os gastos gerados com essa decisão. Mas para não voltar atrás e manchar a imagem do seu governo, ele não se incomoda de colocar a vida das pessoas em risco, nem de manipular a opinião da população amazonense, jogando nela a culpa dos resultados da sua péssima administração pública. Assim, para satisfazer os próprios interesses de poder, Wilson Lima está jogando com a vida das pessoas. 

E vamos aceitar isso?

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Uma greve por todos e todas



Uma greve por todos e todas

Manaus é uma das cidades brasileiras mais atingidas pela pandemia de covid-19.  Após um período agudo da doença, com um número expressivo de mortes (mesmo com a subnotificação) e o colapso do sistema público de saúde, a capital amazonense começa a retornar à “normalidade”. Esta, contudo, não é a mesma de antes. O que tem sido chamado de “o novo normal” é, na verdade, uma banalização da doença. O vírus continua circulando e, consequentemente, fazendo vítimas. 

Esse “novo normal”, a despeito do risco, vem sendo imposto pelo governo; ferindo assim a constituição, a qual assegura que é dever do Estado prezar pela saúde dos cidadãos. 

No bojo desse atentado à saúde coletiva, o governo do Amazonas, por meio de sua secretaria de educação, decidiu reabrir as escolas públicas, apresentando, para tanto, uma série de protocolos que supostamente dirimem a transmissão da doença.

Entretanto, tais protocolos já são, a priori, problemáticos. Basta observarmos que, inicialmente, não estava prevista testagem em massa dos profissionais da educação. Só após pressão feita pelos sindicatos, a Seduc-AM decidiu oferecer a testagem aos professores. Contudo, testar apenas os professores não adianta. Ora, são só os professores que estarão na escola? E quanto aos alunos, técnicos, zeladores, etc? Só o professor pode ser um vetor de contaminação? A secretaria deveria testar todos que estarão no ambiente, antes de cogitar reabri-lo. 

Fora isso, há ainda a impossibilidade do protocolo se adequar a todas as escolas de Manaus. Em questão de estrutura, por exemplo, há salas com 20m² onde, seguindo os protocolos, se agruparão em torno de 20 alunos (metade de uma turma). Como seguir o distanciamento de 1,5m nessas condições? Há ainda salas que possuem apenas basculantes, em vez de janelas. Como arejar a sala com a circulação de ar natural, uma vez que a recomendação da OMS é o não uso de ar-condicionado? Afinal, o ar-condicionado, que faz um mesmo ar circular em um recinto, é um proliferador de vírus. No entanto, como abrir mão dele diante do clima de nossa região? É visível, portanto, que tal protocolo foi feito sem um estudo científico sobre a realidade específica de cada escola da cidade.

Além dos protocolos serem falhos, os recursos disponibilizados também o são. Repercutiu na mídia, a nível nacional, as máscaras que o governo encomendou de uma empresa do Mato Grosso do Sul, as quais não cabem em uma cabeça humana. Nesse ponto básico, das máscaras, a secretaria já deixa claro o seu despreparo para fornecer equipamentos. Ademais, algumas escolas já relatam que não possuem mais álcool em gel após uma semana do retorno. Problemas como esses que não são nenhuma novidade no dia a dia dos professores do ensino público e que, em um outro momento, poderiam ser tomados como mero inconveniente e, em seguida, empurrados com a barriga, em meio a essa pandemia, parecem mais um escárnio com a vida daqueles que dependem desses recursos.

Há de se considerar também, com a volta às aulas presenciais, outros espaços. Ainda que as escolas estivessem adequadas, um grande quantitativo de alunos e professores ainda usariam o transporte público para chegar a elas. Assim, pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, terão que se expor mais aos riscos de contágio. As orientações sanitárias sempre evidenciaram que o imprescindível é ficar em casa. E o ônibus, inevitável para os alunos pobres, é um espaço de alta periculosidade.

Outro ponto a destacar é o descaso com os profissionais que fazem parte de grupos de risco. Mesmo profissionais com comorbidades estão encontrando dificuldades para serem dispensados do trabalho presencial diante de burocracias. Não obstante, afastar apenas os profissionais com patologias é uma forma de fazer isolamento vertical, o qual não encontra embasamento científico, estando antes no campo do mito. Nesse ponto, cabe salientar ainda que mesmo os profissionais e alunos que não estão inseridos em grupos de risco podem morar com pessoas que estão. Sendo assim, podem levar o vírus para casa e MATAR seus familiares.

Em uma semana, já se registraram oficialmente oito casos (isso porque não podemos falar dos casos ainda não oficiais, que, segundo relatos, já chegam a quase 50) de infectados em escolas. Estas, após as confirmações, passaram por desinfecções, mas, contrariando recomendações sanitárias (inclusive do próprio protocolo disponibilizado pela secretaria de educação), não ficaram em quarentena.

Diante de tudo isso, o que se nota é que há, nesse retorno às aulas, uma tentativa - que se aproveita da atual percepção coletiva e do desconhecimento que se tem acerca do vírus  - de se fazer um experimento com a população. Pretende-se colocar em prática essas medidas e ver se os números do nosso estado em relação à pandemia aumentam ou não, imaginando-se que já atingimos um cenário ideal. Mas a questão é que, se nivelarmos por baixo, no cenário atual, teremos uma média, mínima, de cinco mortes por dia; o que representa 150 vidas perdidas por uma doença em um mês. Nenhuma outra epidemia que assola gravemente uma região atinge esses dados. Ou seja, a situação, mesmo arrefecida, é grave. A percepção coletiva, infelizmente, só se alerta quando os números se tornam pessoas conhecidas. O poder público, por sua vez, não pode menosprezar essas mortes. Além do mais, vidas não são números e quaisquer que sejam elas importam.

A greve proposta pelos professores, portanto, é legítima. E não só isso: é fundamental para o bem-estar coletivo. Sendo assim, é importante que as duas frentes sindicais, ASPROM e SINTEAM, que estão cada qual com ações específicas sobre esta pauta, possam se unir em torno de uma só agenda. É paradoxal clamar pela união dos professores quando as próprias entidades que os representam estão separadas em uma mesma causa. Já o restante da sociedade, incluindo os pais dos estudantes, deve apoiar a iniciativa de greve, uma vez que é do interesse de todos. 

Em defesa da vida, greve geral da educação!

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O que é mais-valia? [PARTE II], por Gabriel Henrique

Ensaio

O que é mais-valia? [PARTE II]
 por Gabriel Henrique

2. A Mais-Valia Absoluta e a luta pela jornada de trabalho. [Parte 2]
Notamos, na primeira parte do texto, que a semelhança entre a televisão do nosso trabalhador e a força de trabalho vendida por ele se encerram no fato de que ambas são mercadorias; a partir daí nós conseguimos perceber que há uma diferença fulcral entre a mercadoria televisão e a mercadoria força de trabalho: esta última, ao contrário da televisão, é criadora de valor e, quando consumida para além do tempo de trabalho para repor este valor, valoriza a si mesma e transforma-se em capital. Eis aí a grande artimanha do nosso capitalista de televisores, ele encontrou no mercado justamente a mercadoria que pode criar valor e transformar seu dinheiro inicialmente investido em capital. A tal exploração da força de trabalho para além dos seus limites de reposição de valor vimos que Marx dá o nome de mais-valia [2]. No entanto, essa mais-valia possui duas “modalidades”, digamos assim, a saber: a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa. Deixemos para trás, então, as histórias do nosso nobre trabalhador e tentemos, a partir de agora, recorrer a uma exposição mais sistemática.  Comecemos, então, pela exposição da mais-valia absoluta, Marx nos diz que:
“A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta”. (MARX, 1985, p.431) 
 Como pudemos observar acima a mais-valia absoluta consiste, grosso modo, tão somente no prolongamento da jornada de trabalho. No entanto, como Marx nos expõe em O Capital, não há limites para essa extensão, digamos que em 2 horas o trabalhador reproduza o valor da sua força de trabalho, o seu equivalente, mas o que impede o capitalista de prolongar a jornada de trabalho em 4,6,8,10,12,14 ou até mesmo em 16 ou 18 horas? Esse limite não está dado pela natureza do capitalismo. Vamos tentar esquematizar abaixo: 

______/_________
2 horas    4 horas (Mais-valia)
______/________
2 horas    6 horas (Mais-valia)
______/___________
2 horas    8 horas (Mais-valia)
______/_________________
2 horas    12 horas (Mais-valia)
______/_____________________
2 horas    18 horas (Mais-valia)

No exemplo acima percebemos que a mais-valia, representada pelo vermelho, pode se estender indefinidamente, mesmo que às custas da saúde física e mental dos trabalhadores. É por conta deste prolongamento absurdo da jornada de trabalho que desde os seus primórdios os trabalhadores travam uma encarniçada luta contra os capitalistas pela regulação estatal sobre a jornada de trabalho. Caro leitor, sobre este tema não podemos nos furtar a citar uma longa passagem de O Capital, a qual consideramos indispensável ao entendimento do assunto aqui tratado; felizmente a habilidade de Marx com a pena à mão era grande, o que tornará a leitura deste trecho bastante agradável. 
“A jornada de trabalho não é, portanto, constante, mas uma grandeza variável. É verdade que uma das suas partes é determinada pelo tempo de trabalho exigido para a contínua reprodução do próprio trabalhador, mas sua grandeza total muda com o comprimento ou a duração do mais-trabalho. A jornada de trabalho é, portanto, determinável, mas em si e para si, indeterminada. Porém, ainda que não seja uma grandeza fixa, mas fluente, a jornada de trabalho, por outro lado, pode variar somente dentro de certos limites. Seu limite mínimo é, entretanto, indeterminável. É certo que (...) [há] um limite mínimo, isto é, a parte do dia que o trabalhador necessariamente precisa trabalhar para sua auto-sustentação. Com base no modo de produção capitalista, no entanto, o trabalho necessário pode constituir apenas parte de sua jornada de trabalho, isto é, a jornada de trabalho não pode jamais reduzir-se a esse mínimo. Em contraposição, a jornada de trabalho possui um limite máximo. Ela não é, a partir de certo limite, mais prolongável. Esse limite máximo é duplamente determinado. Uma vez pela limitação física da força de trabalho. Uma pessoa pode, durante o dia natural de 24 horas, despender apenas determinado quantum de força vital. Dessa forma, um cavalo pode trabalhar, um dia após o outro, somente 8 horas. Durante parte do dia, a força precisa repousar, dormir, durante outra parte a pessoa tem outras necessidades físicas a satisfazer, alimentar-se, limpar-se, vestir-se etc. Além desse limite puramente físico, o prolongamento da jornada de trabalho esbarra em limites morais. O trabalhador precisa de tempo para satisfazer a necessidades espirituais e sociais, cuja extensão e número são determinados pelo nível geral de cultura. A variação da jornada de trabalho se move, portanto, dentro de barreiras físicas e sociais. Ambas as barreiras são de natureza muito elástica e permitem as maiores variações. Dessa forma encontramos jornadas de trabalho de 8, 10, 12, 14, 16, 18 horas, portanto, com as mais variadas durações. O capitalista comprou a força de trabalho pelo seu valor de 1 dia. A ele pertence seu valor de uso durante uma jornada de trabalho. Obteve assim o direito de fazer o trabalhador trabalhar para ele durante 1 dia. Porém, o que é uma jornada de trabalho? Em todo caso, menos que 1 dia de vida natural. Quanto menos? O capitalista tem sua própria visão sobre esta última Thule, o limite necessário da jornada de trabalho. Como capitalista ele é apenas capital personificado. Sua alma é a alma do capital. O capital tem um único impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte constante, os meios de produção, a maior massa possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou. Se o trabalhador consome seu tempo disponível para si, então rouba ao capitalista. O capitalista apoia-se pois sobre a lei do intercâmbio de mercadorias. Ele, como todo comprador, procura tirar o maior proveito do valor de uso de sua mercadoria. De repente, porém, levanta-se a voz do trabalhador, que estava emudecida pelo estrondo do processo de produção: (MARX, 1985 p.345 e 346). 
Percebemos então, que o ímpeto do capitalista, a personificação do capital, é valorizar o valor indefinidamente, isto é, conseguir o máximo de mais-valia possível pela exploração da força de trabalho que comprou do trabalhador que a vendeu, ele não tem medida, o seu próprio fim é valorizar a si próprio continuamente de modo perpétuo. No entanto, o leitor deve ter notado que interrompemos a citação bem no momento em que um corajoso trabalhador se levanta contra essa cruel exploração do Capital, então deixemos que ele fale pela pena de Marx.
A mercadoria que te vendi distingue-se da multidão das outras mercadorias pelo fato de que seu consumo cria valor e valor maior do que ela mesma custa. Essa foi a razão por que a compraste. O que do teu lado aparece como valorização do capital é da minha parte dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no mercado, uma lei, a do intercâmbio de mercadorias. E o consumo da mercadoria não pertence ao vendedor que a aliena, mas ao comprador que a adquire. A ti pertence, portanto, o uso de minha força de trabalho diária. Mas por meio de seu preço diário de venda tenho de reproduzi-la diariamente para poder vendê-la de novo. Sem considerar o desgaste natural pela idade etc., preciso ser capaz amanhã de trabalhar com o mesmo nível normal de força, saúde e disposição que hoje. Tu me predicas constantemente o evangelho da “parcimônia” e da “abstinência”. Pois bem! Quero gerir meu único patrimônio, a força de trabalho, como um administrador racional, parcimonioso, abstendo-me de qualquer desperdício tolo da mesma. Eu quero diariamente fazer fluir, converter em movimento, em trabalho, somente tanto dela quanto seja compatível com a sua duração normal e seu desenvolvimento sadio. Mediante prolongamento desmesurado da jornada de trabalho, podes em 1 dia fazer fluir um quantum de minha força de trabalho que é maior do que o que posso repor em 3 dias. O que tu assim ganhas em trabalho, eu perco em substância de trabalho. A utilização de minha força de trabalho e a espoliação dela são duas coisas totalmente diferentes. (...) Pagas-me a força de trabalho de 1 dia, quando utilizas a de 3 dias. Isso é contra nosso trato e a lei do intercâmbio de mercadorias. Eu exijo, portanto, uma jornada de trabalho de duração normal e a exijo sem apelo a teu coração, pois em assuntos de dinheiro cessa a boa vontade. Poderás ser um cidadão modelar, talvez sejas membro da sociedade protetora dos animais, podes até estar em odor de santidade, mas a coisa que representas diante de mim é algo em cujo peito não bate nenhum coração. O que parece bater aí é a batida de meu próprio coração. Eu exijo a jornada normal de trabalho, porque eu exijo o valor de minha mercadoria, como qualquer outro vendedor. (MARX, 1985, p. 347 e 348) 
Após esse trabalhador se levantar, pela pena de Marx, contra a exploração desmesurada da mercadoria que vendeu ao capitalista, nosso filósofo alemão conclui, brilhantemente, do seguinte modo. 

Vê-se que: abstraindo limites extremamente elásticos, da natureza do próprio intercâmbio de mercadorias não resulta nenhum limite à jornada de trabalho, portanto, nenhuma limitação ao mais-trabalho. O capitalista afirma seu direito como comprador, quando procura prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar onde for possível uma jornada de trabalho em duas. Por outro lado, a natureza específica da mercadoria vendida implica um limite de seu consumo pelo comprador, e o trabalhador afirma seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada grandeza normal. Ocorre aqui, portanto, uma antinomia, direito contra direito, ambos apoiados na lei do intercâmbio de mercadorias. Entre direitos iguais decide a força. E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho — uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora. (MARX, 1985, p.348)

Percebemos então que a própria relação entre o capitalista, comprador da força de trabalho e o trabalhador assalariado, vendedor desta força de trabalho, leva inevitavelmente a um confronto de classes em torno da limitação da jornada de trabalho. Pois enquanto o capitalista quer explorar a sua mercadoria o máximo possível - já que pagou por ela quer consumi-la o máximo possível, como qualquer consumidor -; o trabalhador, por outro lado, quer limitar este consumo ao valor exatamente pago a ele, isto é, ele quer receber exatamente pelo valor da mercadoria que está vendendo ao capitalista. 

Há então uma antinomia que - ao contrário da antinomia kantina – está presente na própria constituição de algo existente na realidade material: o capitalismo e suas leis da produção mercantil. Um problema como esse só pode ser definido pela força [3], essa disputa baseada na força assume a forma de uma luta entre duas classes sociais, de uma luta de classes, uma luta política, pela definição e regulamentação desta jornada. Temos então a luta de classes entre a classe dos capitalistas e entre a classe dos trabalhadores assalariados. 

É sabido por todos nós que a regulamentação da jornada de trabalho só foi possível graças à luta dos trabalhadores, até o começo do século passado tal luta ainda permanecia como uma das principais reivindicações trabalhistas da classe trabalhadora – basta ver a origem do 1° de maio, por exemplo[4]. Não obstante, o capital sempre promoveu frequentemente a extensão dessa jornada pelos meios mais fraudulentos possíveis, tais fraudes no que concerne ao respeito à jornada de trabalho legal permanecem acontecendo até hoje com a anuência do assim chamado “Poder Público”. 

Precisamos, mormente, ressaltar que a limitação legal da jornada de trabalho não foi, como pôde ser visto acima, uma dádiva dos capitalistas – uma dádiva resultante das próprias leis imanentes deste sistema. A limitação da jornada de trabalho é o resultado de longa e laboriosa luta; caso ela não tivesse existido estaria até hoje o trabalhador assalariado sem qualquer legislação relativa à regulação da jornada de trabalho, apesar de que, em nosso dias, os capitalistas estejam em franca marcha para destruir tais leis regulatórias. 
“É preciso reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de produção diferente do que nele entrou. No mercado ele, como possuidor da mercadoria “força de trabalho”, se defrontou com outros possuidores de mercadorias, possuidor de mercadoria diante de possuidores de mercadorias. O contrato pelo qual ele vendeu sua força de trabalho ao capitalista comprovou, por assim dizer, preto no branco, que ele dispõe livremente de si mesmo. Depois de concluído o negócio, descobre-se que ele não era “nenhum agente livre”, de que o tempo de que dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, de que, em verdade, seu explorador não o deixa, “enquanto houver ainda um músculo, um tendão, uma gota de sangue para explorar”.  Como “proteção” contra a serpente de seus martírios, os trabalhadores têm de reunir suas cabeças e como classe conquistar uma lei estatal, uma barreira social intransponível, que os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência, por meio de contrato voluntário com o capital, à noite e à escravidão! No lugar do pomposo catálogo dos “direitos inalienáveis do homem” entra a modesta Magna Charta de uma jornada de trabalho legalmente limitada que “finalmente esclarece quando termina o tempo que o trabalhador vende e quando começa o tempo que a ele mesmo pertence”. (MARX, 1985, p.414)
O impulso de explorar a força de trabalho não tem limites, o capital existe para valorizar a si mesmo a todo momento ad infinitum; ele só pode existir na medida em que extrai mais-valia dos trabalhadores. A mais-valia absoluta consiste justamente em esticar a jornada de trabalho, especificamente o tempo de mais-trabalho - o tempo em que o trabalhador trabalha apenas para valorizar o dinheiro inicialmente investido pelo capitalista – para, assim, extrair o máximo possível de mais-valia dos trabalhadores em uma dada jornada de trabalho. 

Evidentemente há pormenores que não poderemos abordar aqui. Há o caso, por exemplo, como já falamos de passagem acima, em que o Capital atua para infringir as leis regulatórias da jornada de trabalho impostas pelo Estado graças à pressão dos trabalhadores; utiliza-se, então, de todos os estratagemas à disposição para furtar estes minutos dos trabalhadores, seja fazendo-os trabalhar alguns minutos a mais, seja tirando minutos do seu horário de almoço, etc. Destarte, cada minuto roubado é relevante para o capital se valorizar e, ao fim do ano, esses minutinhos a mais se transformarão em um grande volume de horas a mais furtadas pelo capital. 

Dessas e outras coisas, que Marx analisa pacientemente em O Capital, nos é inviável tratar aqui nesse momento, sobretudo pelo objetivo deste texto, que é a popularização ou, pelo menos, a circulação mais frequente desses conceitos que foram proscritos pela esquerda manauara.

Por fim, cabe aqui retomar a definição da mais-valia absoluta antes de partirmos para a próxima modalidade de extração de mais-valia. A mais-valia absoluta é a modalidade de extração da mais-valia que consiste, ipsis litteris, no prolongamento da jornada de trabalho.


Notas
[2] Utilizamos, no começo deste texto, o exemplo do trabalhador fabril, mas a produção e extração de mais-valia se dá em praticamente todos os setores da sociedade capitalista, tocaremos nesse assunto no fim deste texto. 

[3] Os grandes eruditos de nossa época, eminentes sociólogos, filósofos, economistas, etc. da ciência burguesa - verdadeiros especialistas falastrões que, a todo momento, invadem as emissoras de televisão para nos demonstrar a sua sabedoria - desconhecem o significado da palavra força na luta política e propagam, aos quatro ventos, a necessidade do diálogo e de sermos tolerantes

[4] “Milhares de trabalhadores foram às ruas de Chicago (EUA), no dia 1º de maio de 1886, para protestar contra as condições de trabalho desumanas a que eram submetidos e exigir a redução da jornada de 13 para 8 horas diárias. Naquele dia as manifestações movimentaram a cidade, causando a ira dos poderosos. A repressão ao movimento foi dura, com prisões, pessoas feridas e até mesmo trabalhadores mortos nos confrontos entre os operários e a polícia. Em memória dos mártires de Chicago e por tudo o que esse dia significou na luta dos trabalhadores pelos seus direitos, servindo de exemplo para o mundo todo, o dia 1º de Maio foi instituído como o Dia Mundial do Trabalhador.” Disponível em: http://sindpdrj.org.br/portal/v2/2014/04/30/dia-do-trabalhador-saiba-como-surgiu-o-feriado-do-dia-1o-de-maio/#:~:text=A%20data%20surgiu%20em%201886,tamb%C3%A9m%20decidiram%20parar%20por%20protesto.

Referências: 
MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política: Vol.2. Nova Cultural, São Paulo, 1985.

MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política: Vol.1. Nova Cultural, São Paulo, 1985.

MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política: Manuscrito de 1861-1863. Cadernos I a V: Terceiro Capítulo – O Capital em geral. Autêntica, São Paulo, 2011. 

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Expressão Popular, São Paulo, 2011.

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Gabriel Henrique: Licenciado em Filosofia, graduando em Direito, Marxista e Flamenguista.