quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Uma greve por todos e todas



Uma greve por todos e todas

Manaus é uma das cidades brasileiras mais atingidas pela pandemia de covid-19.  Após um período agudo da doença, com um número expressivo de mortes (mesmo com a subnotificação) e o colapso do sistema público de saúde, a capital amazonense começa a retornar à “normalidade”. Esta, contudo, não é a mesma de antes. O que tem sido chamado de “o novo normal” é, na verdade, uma banalização da doença. O vírus continua circulando e, consequentemente, fazendo vítimas. 

Esse “novo normal”, a despeito do risco, vem sendo imposto pelo governo; ferindo assim a constituição, a qual assegura que é dever do Estado prezar pela saúde dos cidadãos. 

No bojo desse atentado à saúde coletiva, o governo do Amazonas, por meio de sua secretaria de educação, decidiu reabrir as escolas públicas, apresentando, para tanto, uma série de protocolos que supostamente dirimem a transmissão da doença.

Entretanto, tais protocolos já são, a priori, problemáticos. Basta observarmos que, inicialmente, não estava prevista testagem em massa dos profissionais da educação. Só após pressão feita pelos sindicatos, a Seduc-AM decidiu oferecer a testagem aos professores. Contudo, testar apenas os professores não adianta. Ora, são só os professores que estarão na escola? E quanto aos alunos, técnicos, zeladores, etc? Só o professor pode ser um vetor de contaminação? A secretaria deveria testar todos que estarão no ambiente, antes de cogitar reabri-lo. 

Fora isso, há ainda a impossibilidade do protocolo se adequar a todas as escolas de Manaus. Em questão de estrutura, por exemplo, há salas com 20m² onde, seguindo os protocolos, se agruparão em torno de 20 alunos (metade de uma turma). Como seguir o distanciamento de 1,5m nessas condições? Há ainda salas que possuem apenas basculantes, em vez de janelas. Como arejar a sala com a circulação de ar natural, uma vez que a recomendação da OMS é o não uso de ar-condicionado? Afinal, o ar-condicionado, que faz um mesmo ar circular em um recinto, é um proliferador de vírus. No entanto, como abrir mão dele diante do clima de nossa região? É visível, portanto, que tal protocolo foi feito sem um estudo científico sobre a realidade específica de cada escola da cidade.

Além dos protocolos serem falhos, os recursos disponibilizados também o são. Repercutiu na mídia, a nível nacional, as máscaras que o governo encomendou de uma empresa do Mato Grosso do Sul, as quais não cabem em uma cabeça humana. Nesse ponto básico, das máscaras, a secretaria já deixa claro o seu despreparo para fornecer equipamentos. Ademais, algumas escolas já relatam que não possuem mais álcool em gel após uma semana do retorno. Problemas como esses que não são nenhuma novidade no dia a dia dos professores do ensino público e que, em um outro momento, poderiam ser tomados como mero inconveniente e, em seguida, empurrados com a barriga, em meio a essa pandemia, parecem mais um escárnio com a vida daqueles que dependem desses recursos.

Há de se considerar também, com a volta às aulas presenciais, outros espaços. Ainda que as escolas estivessem adequadas, um grande quantitativo de alunos e professores ainda usariam o transporte público para chegar a elas. Assim, pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, terão que se expor mais aos riscos de contágio. As orientações sanitárias sempre evidenciaram que o imprescindível é ficar em casa. E o ônibus, inevitável para os alunos pobres, é um espaço de alta periculosidade.

Outro ponto a destacar é o descaso com os profissionais que fazem parte de grupos de risco. Mesmo profissionais com comorbidades estão encontrando dificuldades para serem dispensados do trabalho presencial diante de burocracias. Não obstante, afastar apenas os profissionais com patologias é uma forma de fazer isolamento vertical, o qual não encontra embasamento científico, estando antes no campo do mito. Nesse ponto, cabe salientar ainda que mesmo os profissionais e alunos que não estão inseridos em grupos de risco podem morar com pessoas que estão. Sendo assim, podem levar o vírus para casa e MATAR seus familiares.

Em uma semana, já se registraram oficialmente oito casos (isso porque não podemos falar dos casos ainda não oficiais, que, segundo relatos, já chegam a quase 50) de infectados em escolas. Estas, após as confirmações, passaram por desinfecções, mas, contrariando recomendações sanitárias (inclusive do próprio protocolo disponibilizado pela secretaria de educação), não ficaram em quarentena.

Diante de tudo isso, o que se nota é que há, nesse retorno às aulas, uma tentativa - que se aproveita da atual percepção coletiva e do desconhecimento que se tem acerca do vírus  - de se fazer um experimento com a população. Pretende-se colocar em prática essas medidas e ver se os números do nosso estado em relação à pandemia aumentam ou não, imaginando-se que já atingimos um cenário ideal. Mas a questão é que, se nivelarmos por baixo, no cenário atual, teremos uma média, mínima, de cinco mortes por dia; o que representa 150 vidas perdidas por uma doença em um mês. Nenhuma outra epidemia que assola gravemente uma região atinge esses dados. Ou seja, a situação, mesmo arrefecida, é grave. A percepção coletiva, infelizmente, só se alerta quando os números se tornam pessoas conhecidas. O poder público, por sua vez, não pode menosprezar essas mortes. Além do mais, vidas não são números e quaisquer que sejam elas importam.

A greve proposta pelos professores, portanto, é legítima. E não só isso: é fundamental para o bem-estar coletivo. Sendo assim, é importante que as duas frentes sindicais, ASPROM e SINTEAM, que estão cada qual com ações específicas sobre esta pauta, possam se unir em torno de uma só agenda. É paradoxal clamar pela união dos professores quando as próprias entidades que os representam estão separadas em uma mesma causa. Já o restante da sociedade, incluindo os pais dos estudantes, deve apoiar a iniciativa de greve, uma vez que é do interesse de todos. 

Em defesa da vida, greve geral da educação!

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