sexta-feira, 10 de julho de 2020

Apontamentos sobre o ato antifascismo em Manaus



Apontamentos sobre o ato antifascismo em Manaus

No último dia 02 de junho, foi realizado um ato antifascismo em Manaus. Na ocasião, manifestantes fizeram uma passeata em uma das principais avenidas da cidade, a avenida Djalma Batista. Desde sua convocação, o ato provocou discussões entre as esquerdas manauaras. Seria o estopim de uma revolta popular? Ou seria um risco desnecessários em um dos epicentros da covid-19 no Brasil? Apesar do pouco distanciamento histórico, já é possível fazer um balanço da ação. Fugindo de leituras enviesadas, propomos aqui um olhar em retrospecto, dada a importância do que ocorreu. Afinal, após a empolgação, faz-se necessário a reflexão.

Antes de tudo, é preciso rememorar o que motivou o ato. Podemos apontar dois acontecimentos. O primeiro é oriundo dos EUA. Trata-se dos protestos contra a morte do homem negro George Floyd, que foi brutalmente assassinado por um policial branco que o asfixiou com o joelho. A cena, com Floyd imobilizado e repetindo mais de vinte vezes que não conseguia respirar, foi registrada em vídeo e indignou a população. Esta então deu início à campanha “Vidas negras importam”, ao qual reverberou em diversos países, incluindo o Brasil.

O segundo acontecimento foi a heroica ação das torcidas organizadas em São Paulo, que impediram o progresso de uma manada bolsonarista na avenida paulista, dois dias antes do ato em Manaus. Grupos, no calor da empolgação, tentaram reproduzir o feito paulista em outras cidades.

Decorre desses acontecimentos que elencamos duas chaves de leitura sobre o que ocorreu em Manaus: (I) O ato foi pautado por um episódio externo à realidade das massas manauaras. E com isso trouxe pautas que parecem (embora não sejam) alheias ao nosso povo. O que o amazonense comum entende por fascismo? E o que entende por democracia? Essas questões dialogam com sua realidade? Eis questionamentos que ajudam a compreender a não adesão das massas trabalhadoras ao ato. (II) Em São Paulo as torcidas organizadas, como o próprio nome aponta, eram organizadas – afirmamos mesmo sendo uma redundância. Organizações históricas como a Gaviões da Fiel estão assentadas em bases populares sólidas, que foram construídas ao longo de décadas. Na capital amazonense não há um trabalho político orgânico que permita uma organização análoga. Estamos ainda no jardim de infância das lutas sociais. Muito ainda precisa ser feito. Não dá para se organizar em dois dias, como se tentou fazer, e logo pular para o fim prático. Daí aprendemos algo: o ato de rua não é o início do trabalho político, o ponto de partida, mas sim o resultado de um longo processo. Caso contrário, qualquer vitória é efêmera e não se desdobra. Fora isso, em Manaus não se tentou barrar uma ação bolsonarista, como ocorreu em São Paulo. Não houve confronto. Houve apenas uma caminhada, que não seria de mau tom caso não houvesse um detalhe: o covid-19.

Aliás, a aglomeração do ato proliferou o vírus? Não é possível afirmar nem que sim, nem que não. Qualquer afirmativa nesse ponto seria ter muita fé nos dados oficiais que, claramente, estão subnotificados. A verdade é que estamos tateando às cegas quando o assunto é a pandemia. 

Outra questão: o governo Bolsonaro recuou desde então? Há quem diga que ele assumiu outra postura, apenas porque diminuiu a frequência de bravatas. No entanto, as ações de Bolsonaro apontam que seu “governo” continua com o mesmo perfil genocida de sempre. Ele, por exemplo, só este mês já vetou a obrigatoriedade do uso de máscaras em determinados locais*, e vetou também a garantia de água potável, cesta básica e leito para indígenas e quilombolas**. Ademais, a falsa mudança de postura de Bolsonaro, provavelmente, se deve mais à prisão de Fabrício Queiroz. Este, por sua vez, foi preso devido aos atos? É pouco provável. Parece mais uma manobra da burguesia para expelir o Bolsonaro quando este não for mais útil aos seus interesses. A elite está ensaiando isso desde a saída do garoto do imperialismo, Sérgio Moro.

Nota-se, portanto, que o ato antifascismo em Manaus não teve nenhum desdobramento. Tampouco evoluiu para uma revolta popular – como alguns acreditavam. Quando o embalo do hype norte-americano passou, o ato ficou como um fim em si mesmo. Indicando assim que o caminho para a verdadeira revolta é outro. É preciso de organização para que quando os ímpetos surjam, encontrem um solo fértil para se transformarem em revolta, ou, quem sabe, em revolução.

Enquanto os olhos estiverem voltados apenas para as ações que geram holofotes, e não para a micropolítica do dia a dia, Manaus seguirá imersa no reacionarismo e sendo a capital com a maior taxa de desemprego do país, com cerca de 18,5%, segundo dados do IBGE de maio de 2020, onde trabalhadores, dia após dia, são transformados em MEI, perdendo todos os seus direitos trabalhistas ou seus empregos.

Em suma, a sensação que fica é a de que uma grande tempestade estava se formando, com nuvens densas, relâmpagos assombrosos, mas se dissolveu em instantes. Como já disseram em algum lugar: o furacão devasta o mundo, mas no Brasil só se sente uma brisa. 




*https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/03/bolsonaro-sanciona-com-vetos-lei-que-obriga-uso-de-mascaras-em-locais-publicos-pelo-pais.ghtml

**https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/307480/bolsonaro-veta-garantir-agua-potavel-cesta-basica-.htm

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