sábado, 25 de julho de 2020

O estado democrático e a emancipação proletária, por Arthur Moura



O estado democrático e a emancipação proletária
 por Arthur Moura

Uma questão importante de pensarmos é: o estado democrático de direito é a condição social sem o qual seria impossível o avanço das lutas populares e a sua consequente organização? Ou na ausência dele as condições reais operariam na construção de um poder popular? Em primeiro lugar não se deve descartar que a classe trabalhadora somente pode organizar-se em condições favoráveis a nível material de subsistência. Ou seja, ela deve resolver problemas de primeira ordem para que possa atuar enquanto classe. Mas não são apenas as condições materiais que favorece a sua organização autônoma. Sem um movimento de conscientização, a classe permanece em sua condição de dependência com relação à classe dominante. Essa conscientização não nasce nos partidos políticos de uma forma geral, tampouco do estado. Tudo o que o estado e os partidos fazem é lutar contra o rompimento da legalidade burguesa e os seus possíveis benefícios. Dessa forma não há espaço para os trabalhadores construírem a sua própria autonomia.           

Por exemplo, os partidos ditos de esquerda priorizam o parlamento burguês em detrimento da própria luta dos trabalhadores, construindo habilmente novas ou outras necessidades para a classe. Ora, o estado democrático no Brasil nunca foi capaz de garantir a justiça e a manutenção de uma sociedade horizontal, sem conflitos e guerras internas ou condenação sumária aos setores divergentes. Na verdade, esse estado democrático por aqui sequer existiu algum dia.

O estado democrático pressupõe uma ótima organização social, ainda que incompleta, mas que ao mesmo tempo é incapaz de brecar avanços substanciais do capital e todo o seu conjunto de exigências normativas. Ele opera na medida em que acentua a condição de dependência dos países periféricos de capitalismo dependente. Na prática esse estado possui um conjunto de regras e leis que fornece legalmente a garantia e defesa de prioridades que não fazem parte do interesse geral ao qual diz defender. Os defensores da ordem e do legalismo burguês muito dizem sobre a garantia de direitos enquanto abrem as portas para a iniciativa privada que abomina qualquer princípio popular. As eleições, que funcionam dentro dessa configuração, é mais uma das formalidades necessárias a garantia do status quo.            

O que dificulta o rompimento radical contra esse arranjo é o fato de boa parte da esquerda crer e defender (por motivos políticos e estratégicos) a legalidade como assunto prioritário aos trabalhadores. Por mais que esses setores muitas vezes produzam uma análise até condizente com a realidade, as resoluções não ultrapassam a representatividade e os seus limites, capitalizando as lutas mais uma vez aos partidos e direções sindicais.

Esse estado democrático burguês também funciona como um equalizador, ainda que de forma artificial, das diferenças fundamentais entre os vários setores que compõe a sociedade, o que acaba funcionando como bom elemento que oxigena a vida democrática representativa burguesa, pois ele (o estado) passa a comportar um sem número de tendências que justifica a necessidade da manutenção do regime democrático, mesmo que haja facções e partidos políticos de extrema-direita disputando a cena. Esse estado no seu conluio da justiça ampla deve comportar também o fascismo já que ele diz respeitar as diferenças.

Já a extrema-esquerda (ou simplesmente a esquerda revolucionária) é confundida por este estado com a social democracia, que é condenada até mesmo por seus pares na burocracia estatal dependendo dos interesses em jogo. Na verdade não existe extrema-esquerda no interior do estado burguês. Essa é a maior falácia que podemos acreditar, o que denota o desconhecimento da natureza social e histórica desse estado. A consequência então passa a ser que sem o estado democrático o único caminho é a ditadura militar, constantemente empreendida de acordo com o momento histórico e a necessidade política de cada país.       

A ditadura incrivelmente é colocada como regime no reordenamento da sociedade na busca pela reconstrução e implementação do estado democrático, o que funciona como mais um discurso falacioso e enganador. A ditadura não serve a outro fim senão garantir a sobrevivência do capital em momentos decisivos de instabilidade. Ela (a ditadura) escancara as contradições e sua única forma de lidar com isso é através da neutralização de setores combativos e até mesmo progressistas. É nesse momento que a social democracia tende a ser expulsa de campo para voltar ao jogo no próximo tempo. A garantia da ordem que se dá restringe-se às relações de mercado complexificando o que vem a ser o quadro ditatorial. São ditaduras engendradas em outras; formas complexas de poder. 

Na verdade, é difícil dizer em que condição, se legal ou não, a revolução irá eclodir. Tanto em sua forma legalista ou abertamente ditatorial pode ocorrer grandes movimentações sociais que quebrem barreiras que antes pareciam intransponíveis. As forças que colaboram para a manutenção do estado democrático ao passo que são a garantia na defesa do legalismo também pode falhar rompendo-se e estimulando a materialização de forças revolucionárias. Nesse caso não é a polícia ou as forças repressivas em geral que operam no sentido da garantia da ordem, mas a burocracia que de uma forma geral envolve inclusive setores da classe trabalhadora ou seus supostos representantes.

Nesse sentido, o que podemos concluir é que o estado democrático nem de longe é aquilo que garante as condições necessárias ao desenvolvimento da classe trabalhadora e de sua possível emancipação; mas ele funciona como algo que dificulta a organização dos trabalhadores instrumentalizando a luta canalizando-a para sua neutralização. A ditadura obviamente também não traz nenhum benefício ao trabalhador sendo a maneira mais eficaz na eliminação das organizações de esquerda, mas que também aponta para a necessidade da luta direta contra o estado não a um suposto retorno idílico ao passado, mas na negação de qualquer forma que venha a violar a autonomia de organização dos trabalhadores envolvidos em luta. Tanto o estado democrático como o regime militar são formas distintas de ditadura burguesa. Enquanto a conciliação com a classe dominante for a condição para a existência dos trabalhadores, não haverá condições reais de emancipação, restringindo-se a luta por direitos que mesmo num estado democrático, sabemos, é impossível acontecer de forma generalizada aos trabalhadores, pois como se sabe vivemos numa sociedade capitalista. A luta por direitos está perfeitamente encaixada nos ordenamentos do capital e lutar por eles não coloca o trabalhador em posição antagônica à ditadura burguesa, aberta em qualquer um dos casos.

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Arthur Moura: Cineasta, graduado em História pela UFF e mestre em Educação pela UERJ.

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