Coluna Segunda Via
Retomar o Mestre
Por Victor Leandro
Em Notas de um Diálogo, muito provavelmente um dos melhores contos absurdos escritos em terras amazônicas, o narrador de Mauricio Braga resolve por matar o Mestre. Porém, como em literatura o que parece quase sempre não é, o que desponta como um gesto de anarquia se revela como um ato de sublime reverência: cansado das iniquidades mundanas, o Mestre queria morrer.
Segue disso, como reflexão, que a figura do Mestre precisa ser repensada, especialmente nos moldes contemporâneos. Se outrora ele já pôde ter sido visto, em suas mais degeneradas figurações, como uma personagem a quem se devotava uma obediência cega,a ponto de ser imune às ações dos discípulos, a insubordinação de nosso tempo não permite mais a ascensão de caracteres tão opressivos. Contudo, o que se apresentava inicialmente como uma breve reprimenda revelou-se uma fortíssima atitude negadora, que relegou o Mestre para o confinamento e produziu uma sociedade de autorrealização. Porém, no final, e como era de se esperar, tal projeto se revelou insuficiente, e o que se viu foi um declínio irrefreável das possibilidades ativas dos sujeitos, por força de sua incapacidade de angariar sentido por si mesmos sem o mínimo de direcionamento.
Mas qual é então, agora, o papel do Mestre? Na dialética presente da emancipação e da heteronomia, o seu trabalho constitui justamente o de compor uma síntese e apontar caminhos. Como um mapa a ser consultado nos momentos de desorientação, o Mestre é aquele que dirá aonde podemos e devemos ir quando já não o sabemos, o que precisamos fazer quando nossas ações parecem perdidas. Obviamente, nada disso pode ser imposto. Toda verdade do Mestre advém de um reconhecimento nele daquilo que está em nosso íntimo e que se materializa em suas propostas de ação.
O Mestre não é o senhor de nossos desejos. Antes, é aquele que os conhece e os apresenta a nós mesmos.
É hora de reencontrar o Mestre e sua tarefa social. Sem idolatria, sem ausência de crítica ou com abnegada subserviência. Somente assim seremos capazes de matá-lo quando chegar o momento oportuno. Porém, até que isso ocorra, ele terá muito o que nos dizer.
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