Crônica
Viver é acumular
velórios
Por Luana Aguiar
Quanto mais se vive, mais os frequenta. Talvez esta seja a
grande ironia da vida. Pode ser que o teu primeiro seja aos 35 anos, a morte de
um tio distante, e não sinta nada pelo defunto ali deitado. Mas decerto pensará
sobre si e a morte iminente. Pode ser que teu primeiro seja aos 21 anos (idade
em que pensa ingenuamente saber de tudo da vida) e vivencie a perda de um ente
mais querido, um pai já doente, e sinta não só o arrepio da morte, mas a
saudade de alguém que – jamais – voltará.
Mas uma certeza é que a idade é proporcional à quantidade de
velórios os quais frequentamos. Pode ser um a cada três anos ou pode ser dois
numa mesma semana. Não importa. A morte de outrem vai nos pegar de surpresa. O
discurso do padre vai te comover, uma lágrima vai ameaçar cair porque, num
instante, você acreditou no que ele disse. (Provavelmente foi o décimo segundo
discurso dele na semana). Você vai olhar para o rosto pálido e maquilado do
defunto de mãos cruzadas, vai rememorar a mais vil lembrança, aquele fim de
tarde tomando café juntos, pode ser que até a voz dele venha à cabeça. As
pessoas vão se abraçar, chorando, dizendo “meus pêsames”. Pode ser que, por um
instante, tudo aquilo pareça normal. Depois você vai lembrar que está num
velório e que existe uma pessoa embalsamada ali no meio do salão.
No final, vão fechar o caixão, o que é óbvio. E, nos eventos
fúnebres mais dramáticos, alguém vai se jogar em cima dele – é o despertar da
realidade, o momento mais triste. Mas quando se tem a experiência de, pelo menos,
cinco velórios nas costas com apenas 24 anos, impossível não ficarmos atentos
aos detalhes do nosso mais mórbido ritual de passagem. Sim, um ritual de
passagem – para sei lá onde – e de preparação para aqueles que ficam, se
despedem e pensam “quando será a minha vez?”.
Quando chegarmos à idade de nossos pais e avós, vamos
entender a melancolia, a solidão e a descrença com a vida que tinham. Eles já
passaram por muitos velórios.
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