quinta-feira, 16 de abril de 2020

Conto: "Fabison tem o estranho pesadelo de que alguém está mijando na sua cara [...]", de Vinícius de Moraes

Conto

Fabison tem o estranho pesadelo de que alguém está mijando na sua cara, acorda afogando com a água em seu nariz, essa seria a quinta goteira que aparecera em casa, dessa vez em cima da cama, quase que estrategicamente posicionada para acerta-lo, Fabison pensa em xingar alguém, mas não há quem xingar, isso só acresce à raiva que ele sentia no momento.   

Como se sente um homem desempregado com três filhos e uma mulher também desempregada? Não sei, mas Fabison se sentia puto quase que o tempo todo, tentava o máximo não mostrar para seus filhos e sua mulher, que também fingiam não perceber.

Tudo que Fabison podia fazer era andar pela cidade procurando um bico qualquer que desse para garantir a refeição do dia, o que cada vez mais se tornava complicado, enquanto isso as dívidas cada vez aumentando.

Fabison então teve uma ideia e propôs para sua esposa, teria que virar puta, era nova ainda e apesar dos três filhos possuía um bom corpo, também caras que procuram mulheres assim nunca são tão exigentes. A mulher não comprou a ideia de primeira, achou que seria perigoso, mas Fabison garantiu que estaria lá para protege-la. Tudo bem então, partiram.

Ela pediu emprestado da amiga uma roupa que parecesse mais com uma roupa de puta, é necessário um uniforme para coisas desse tipo, concordaram. Era por volta de 21h quando chegaram nessa avenida movimentada, mas moderadamente mal iluminada onde transações do tipo pudessem ser melhor executadas.

Primeiro parou um carro vermelho que não abaixou o vidro, preferiu olhar de longe. Fabison logo foi tratar com ele, apressar a transação não via razão para pudores agora, o homem naturalmente perguntou quanto era o programa, Fabison não sabia, tinha pensado o dia todo sobre isso, mas nenhum parecia certo.

Cem reais era demais, ele pensava, talvez o homem achasse demais, pensou em 50, mas temeu insultar a mulher e principalmente tabelar o produto erroneamente, era necessário antes uma pesquisa de mercado pensou, muito tarde para isso, tinha que se decidir então decidiu-se, ficamos no 70, nem muito nem pouco, o bastante, acabou colando. 

Alguns minutos depois a mulher já estava atendendo o segundo cliente, tudo corria bem porque o dinheiro estava na mão. Deu tempo ainda para mais um freguês satisfeito antes de um travesti chegar dizendo que o ponto ali era dele e depois socar a cara do Fabison, diversas vezes.

Nada mais importava havia ganhado 210 reais em um dia, mais do que ganhará o último mês todo, esse negócio de ser puta dava dinheiro Fabison constatou, teria que continuar e continuou, toda a noite saí para vender a esposa ou melhor aluga-la por algum tempo e era um negócio lucrativo.

Finalmente com o dinheiro da mulher puta pode consertar o teto e pagar suas dívidas, pode até fazer uma festa no aniversário do seu filho, o que poderia ser melhor? Até sua mulher estava feliz, saudável e sorria sempre. Se o produto estava contente por que o comerciante não estaria? O seu pequeno mundo estava perfeito.

Única reclamação talvez fosse alguns clientes tentando dar em cima dele, querendo aluga-lo e não sua mulher, esses Fabison arrancava do carro e dava um belo sarrafo, não era viado e tinha de provar. Um dia seu amigo, vizinho deles apareceu para comer a esposa do nosso herói, aí tudo bem, comeu e foi embora. 

No outro dia Fabison passou em frente ao bar que seus amigos frequentavam, ele mesmo não bebia, ouviu risadas e murmurinhos, não ligou muito, depois desse acontecimento cada vez mais vizinhos apareciam para comer a mulher dele, Fabison ficou então com a fama de corno manso.

Todos diziam que a mulher dele era quem mandava e ele tinha que aceitar ela dando para os outros, ele tentou explicar que não era isso, que tudo tinha sido ideia dele, mas quanto mais tentava mais faziam piadas, pensou em matar todos, sua mulher o persuadiu a não fazer, deixou quieto. 

Uma noite Fabison teve uma terrível dor de cabeça, sentia como se algo estivesse cortando sua testa de dentro para fora, foi ao médico, fez diversos exames e não encontrou nada, outro dia a mesma dor se repetia e assim cada vez mais a dor aumentava e ninguém sabia dizer precisamente a causa.

Fabison então notou dois calombos em sua testa que logo depois se abriram e revelaram pontas, aquilo era realmente diferente pensou, foi mostrar para a esposa, ela não via nada ali, analisou, tocou, mas para ela tudo continuava a mesma coisa, uma testa normal como qualquer outra.

Seus filhos viram e caíram na gargalhada, o pai com um chifre, os três quase sincronizados rindo do infortúnio do pai. Fabison gritou com eles, até mesmo bateu em dois deles e mesmo assim não pararam de rir, pôs-se a rir também, se era engraçado para os filhos não poderia ser tão ruim e o melhor nem doía mais.

No entanto os gêmeos cresciam cada dia a ponto de prender em alguns lugares, agora entrava abaixado para não se prender no vão da porta, além disso todos que viam caiam na risada, uma risada incontrolável, desesperada, quase maníaca que não cessava enquanto continuassem a olhar os chifres.

Todo o lugar que ia Fabison era seguido por aquele som infernal de risadas, não importva quem fosse, os mendigos da rua, seus vizinhos, seus filhos, todos se abriam ao vê-lo, paravam para grava-lo e postar na internet todos menos sua esposa, a única que não entendia nada e se mantinha inocente diante de tudo aquilo, Fabison odiava sua inocência. 

Começou a beber e a brigar com todos que riam dele, batia também na sua esposa que nada entendia e continuava imaculada trabalhando honestamente, no entanto nosso herói via por trás da tal inocência da mulher a verdadeira culpada de tudo.

Não dá para ser corno sozinho alguém tem que botar chifre em você, era a lógica da cornice, claro que tudo tinha sido ideia dele, mas ela também parecia muito feliz, nunca reclamou de nada, onde já se virá não reclamar de nada? que puta! Algo precisava ser feito.

A rotina consumia o herói Fabison, chegar bêbado, ser recebido pelos filhos às gargalhadas, bater no filho, bater na esposa, depois sair para alugar a esposa, todos os dias isso, aliado a isso mais um estorvo, agora já era dificultoso entrar em casa por causa dos chifres e não pareciam parara de crescer.

Não dava para viver assim, chegou à conclusão que o único jeito de se livrar daquilo era matando a esposa, se fora ela que botara o chifre nele então matá-la faria o chifre sumir, logicamente, pôs-se então a encontrar uma maneira de matar a esposa.

Comprou uma arma com um bandido qualquer e esperou, lembrou de todos os bons momentos com a mulher e os filhos e chorou, mas era o necessário a se fazer, como homem ele deveria não havia escolha, chegou em casa abaixado para os chifres passarem.

Ouviu as gargalhadas dos filhos mais forte dessa vez, entrou e sentou-se no sofá, sentiu a arma apertando na calça como que o lembrando que deveria ser usada, ato desnecessário da parte dela ele já sabia. 

A risada dos filhos se tornará ensurdecedora e incessante, eles mal respiravam agora, um deles caiu no chão sem ar, a mulher correu desesperada para socorrer a criança, Fabison viu nisso uma chance, sacou a arma e a engatilhou, a mulher virou assustada e as crianças riram mais alto.

Era tudo culpa dela, ele sabia e agora ela também saberia. A mulher não dizia nada, nem parecia triste ou assustada, os filhos morriam de tanto rir, depois de um tempo olhando sem expressão para o marido como se analisasse o que ele faria a seguir a mulher desatou a rir também, uma gargalhada hedionda, agora estavam todos rindo do Fabson.

Fabson deu o tiro, a mulher caiu, agora ela também tinha um buraco na cabeça, mas que só saia sangue não chifres. Uma forte dor de cabeça igual a anterior, os chifres encolhiam, encolheram tanto que sumiram, o único filho vivo parou de rir, nada mais prendia a cabeça de Fabson, nosso herói estava livre.

Vinícius de Moraes

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