sexta-feira, 3 de abril de 2020

A pandemia e a crise capitalista: notas didáticas sobre a atual conjuntura brasileira, Por Gabriel Henrique

Ensaio

Arte: Thiko
A pandemia e a crise capitalista: notas didáticas sobre a atual conjuntura brasileira
Por Gabriel Henrique

Muito antes do surgimento da pandemia do novo Coronavírus já se avizinha uma nova crise do capitalismo mundial[1], mas felizmente para os nossos capitalistas alguns séculos com crises periódicas – algumas bem dramáticas - ensinaram-nos de uma forma bem simples a lidar com o problema: achatamento dos salários, maior exploração da força de trabalho tanto em intensão quanto em extensão, tomada de assalto do Estado por meio do controle completo do Banco Central, da compra das empresas públicas etc. Aqui no Brasil nossos capitalistas já estavam atuando no sentido de recuperar parte dos lucros perdidos com a crise de 2008 – que só chegaria ao Brasil alguns anos depois -  e de garantir a maior parte das condições de manutenção dos seus lucros em uma possível ulterior crise[2] com a reforma trabalhista, a PEC do teto dos gastos públicos, com a universalização do dogma fiscal, com a reforma da previdência etc.

O que o nosso experiente capitalista não esperava é que essa crise viesse acompanhada de uma pandemia devastadora e de proporções globais, e aqui é importante ressaltar: não é o coronavírus o responsável pela crise que se avizinha cada vez mais, antes de tudo ele é tão somente o responsável pelo aprofundamento dessa crise. A famosa Auri Sacra Fames do capitalista, que é ainda maior em momentos de crise, se vê completamente tolhida pela impossibilidade de dar a resposta necessária para garantir os seus lucros: como ele pode garanti-lo se a sua mercadoria mais preciosa, o trabalhador assalariado, sequer pode sair de casa por conta da pandemia?

Não surpreende então que uma coalização cristalizada especialmente na figura do capitalista comercial tenha se formado para pressionar o governo federal[3], especialmente o Presidente da República Jair Bolsonaro, que no pronunciamento dado em cadeia nacional no dia 24/03/2020 claramente assumiu a postura de porta voz destes capitalistas ao clamar – de modo pouco habilidoso – pelo “retorno à normalidade”[4]. No entanto, esse mesmo discurso exteriorizava também o interesse do pequeno proprietário, que em momentos de crise se vê mais próximo do assalariado médio do que do grande capitalista[5]- geralmente esse pequeno proprietário é jogado nas mãos dos monopólios-  e que compõe boa parte da base social do Presidente.

A possibilidade de avanço da pandemia, a experiência de outros países que se encontram em séria situação e o evidente contraste com as recomendações médico-científicas levaram o discurso de Bolsonaro à bancarrota completa e ao ataque frontal de parte dos monopólios de mídia e de frações da burguesia que estão de olho na disputa eleitoral de 2022. Essa manobra política pouco inteligente, sobretudo pela tom arrogante adotado no pronunciamento, levou a uma indefinição e, consequentemente, a uma disputa interna dentro do executivo federal[6]. Tal disputa acabou por estender também aos governadores de Estado, como no caso do governador de São Paulo, cuja tentativa clara é de contrastar com Bolsonaro se mostrando uma pessoa cuja postura é de “estadista”, “homem centrado e preocupado com a questão social”, etc.[7]; evidentemente que essa disputa política não é nada mais que a disputa entre as diversas frações da classe dominante pelo seu pote de ouro: o Estado, mais notadamente o Executivo Federal.

Na verdade, toda essa disputa pode ser resumida em torno da seguinte questão: como garantir o lucro dos capitalistas sem que isso signifique infringir diretamente as recomendações de saúde pública alardeadas aos quatro ventos? O que nos monopólios de mídia tem aparecido sob a forma de “como achar a linha tênue entre lidar com a pandemia e a crise econômica ao mesmo tempo?”. Como a responsabilidade de dar essa reposta é mais do Executivo Federal do que dos estaduais os governadores podem assumir uma posição de franco atiradores, tanto para salvaguardar sua popularidade para ser reeleito, tanto para se mostrar o candidato mais adequado à presidência – um certo liberalismo soft que pode levar a cabo as necessidades dos capitalistas e do imperialismo de modo menos errático e mais calculado ao mesmo tempo em que fornece migalhas aos trabalhadores sob a forma de “preocupação social”; tanto Dória como outros governadores tentam se cristalizar como essa alternativa para 2022 em caso de fracasso do Bolsonaro.

No entanto, a maior parte da burguesia nacional já parece ter achado a resposta para essa questão, pois já trabalha para a construção de certo consenso social – o que pode ser visto na tentativa de suavizar o discurso de Bolsonaro[8]  - por meio dos monopólios de mídia, a saber: a ideia de que diante da crise iminente, para “garantir” os empregos e “salvar” a economia, todas as partes têm que ceder um pouco, com o empresário diminuindo os salários e o executivo federal bancando uma parte[9] ; além da concessão de certa ajuda de custo para os chamados “informais”[10]

O que não passa de grande engodo, pois sob Estado de Calamidade Pública[11] o Executivo Federal poderia garantir o salário dos trabalhadores por meio da emissão de crédito extraordinário. O que de fato os capitalistas querem é garantir seus lucros por meio do Tesouro Nacional[12] ao mesmo tempo em que achatam o salários dos trabalhadores; querem garantir linhas de créditos vultuosas ao mesmo tempo que não dão nenhuma estabilidade ao trabalhador; querem jogar o pequeno e o médio proprietário na falência para que caiam nas mãos dos monopólios.  A frase de Abílio Diniz segundo a qual “Paulo Guedes é liberal, mas em momentos de crise somos todos keynesianos”[13] não quer dizer nada mais que o Estado brasileiro deve gastar tanto quanto for necessário para garantir os lucros de nossa burguesia; aqui se vão os dogmas fiscais, nada pode pôr em risco esse abençoado elemento da natureza chamado lucro.

Mas a burguesia brasileira, sob a batuta de Bolsonaro e seus asseclas, seguirá firme no seu intento de desmonte do Estado, o que não é nada mais que a tomada de assalto ao Estado por nossa classe dominante.  As reformas que faltavam ao Executivo Federal levar à Câmara, poderão agora assumir outra forma, como o que se pretende fazer com os servidores públicos[14]; com a crise capitalista mundial[15] que se aproxima cada vez mais a tendência é que a dominação capitalista em terras tupiniquins assuma formas cada vez mais bonapartistas – fiquemos sempre alertas com a possibilidade de termos o nosso próprio 18 de Brumário[16] .

Notas

1 https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/08/14/mercados-dolar-bolsa-crise-recessao.htm

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/03/26/32-grandes-empresarios-defendem-plano-similarao-de-bolsonaro-para-isolamento.ghtml

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/24/leia-o-pronunciamento-dopresidente-jair-bolsonaro-na-integra.htm

4 “(...) como vimos, o progresso da indústria lança porções inteiras da classe dominante no proletariado, ou no mínimo constitui ameaça às condições de vida dessas pessoas” (MARX, ENGELS, 2015, p.55

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-28/preocupada-com-reacao-de-bolsonaro-ao-coronaviruscupula-militar-acende-alerta-e-sinaliza-apoio-a-mourao.html

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-diz-que-moro-e-egoista-e-nao-ajuda-governoem-crise-do-coronavirus,70003253514

https://exame.abril.com.br/brasil/em-reuniao-tensa-mandetta-pediu-que-bolsonaro-nao-minimizepandemia/

https://brasil.elpais.com/politica/2020-03-25/doria-abre-duelo-com-bolsonaro-e-marca-posicao-dosgovernadores-e-justo-abandonar-idosos-a-propria-sorte.html

https://br.noticias.yahoo.com/bolsonaro-diz-que-apenas-suavizou-001539575.html

10 https://oglobo.globo.com/economia/nova-mp-permite-reducao-de-ate-70-nos-salarios-devepreservar-85-milhoes-de-emprego-1-24344847

11 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/01/bolsonaro-sanciona-lei-que-preve-auxilio-de-r-600-mensais-a-trabalhadores-informais-diz-planalto.ghtml

12 https://www.conjur.com.br/2020-mar-20/senado-aprova-decreto-reconhece-estado-calamidadepublica?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter

13 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/ministro-do-stf-libera-regra-mais-flexivel-paragastos-na-pandemia.shtml

14 https://exame.abril.com.br/economia/abilio-diniz-guedes-vai-colocar-r-600-bilhoes-na-economia/

15 https://economia.ig.com.br/2020-03-26/governo-quer-cortar-25-de-salario-de-servidores-ate-2024-para-compensar-gastos.html

16 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,coronavirus-mercados-despencam-apos-trumpprojetar-minimo-de-100-mil-mortos-nos-eua,70003255982

17 https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/congresso-esta-atento-pra-bolsonaro-nao-decretarestado-de-sitio-diz-molon/

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