segunda-feira, 13 de abril de 2020

Psicologia dos arrependidos, por Mauricio Braga

Ensaio



Psicologia dos arrependidos
por Mauricio Braga

Aumenta a cada dia o número de eleitores de Jair Bolsonaro que se dizem arrependidos do voto.  No entanto, devemos analisar esse arrependimento.   O que o provocou?

Sabemos que os votos em Jair Bolsonaro foram votos estritamente ideológicos. Afinal, o então candidato, além de não apresentar nenhuma proposta, defendia uma linha social e econômica impopular (a mesma do seu antecessor, Michel Temer, que vinha sendo rechaçada pela população). Esta jamais passaria pelo crivo das urnas se não fosse por artimanhas ideológicas. Portanto, para haver arrependimento legítimo, tem que ocorrer uma mudança no plano ideológico do indivíduo. Se essa mudança não ocorrer, o “arrependimento” é apenas uma afetação contra a figura de Jair Bolsonaro, e não uma oposição ao que essa figura representa. 

Nesse caso, mesmo que nunca mais vote em Bolsonaro, o indivíduo votará em figuras que personifiquem a mesma ideologia que ele. Isto é, apesar de não votar em Bolsonaro, continuará bolsonete. Votará em um Moro, Dória, Witzel ou em qualquer maluco que encarne os fetiches de patriotismo, patriarcalismo e autoritarismo. Mudará a embalagem, mas não o produto. Assim, Jair Bolsonaro não passa de um arquétipo; o essencial mesmo é derrotar a narrativa bolsonarista.

Logo, atentemo-nos à luta travada no plano ideológico. No outro plano, o material, o bolsofascismo já está praticamente derrotado. Aqui pode-se objetar que, longe de serem dicotomias, ambos os planos são indissociáveis (e o segundo direciona o primeiro). De fato! Entretanto, mentes mistificadas, como as dos bolsogados, abraçam qualquer narrativa irreal que legitime suas ideologias, a despeito das condições concretas. É um fanatismo que faz os indivíduos trocarem os signos do real pelos signos de um simulacro (criado ideologicamente). E isso não se desconstrói do dia para noite.

Em suma, desconfiem dos arrependidos. Diante de um, observe se houve uma mudança na perspectiva do olhar desse sujeito perante a existência (remetendo a Deleuze: se a percepção passou a ser do geral ao particular, ao invés de partir do eu), bem como se houve uma mudança na forma em que ele se relaciona com os elementos culturais e sociais. Pois o arrependimento é um processo radical, longo, cheio de nuances e que, necessariamente, implica mudanças. Caso contrário, é apenas a troca do 17 pelo 38.

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