Coluna Segunda Via
A desidentificação
Por Victor Leandro
O filme começa. Ou o livro. Ou a música. Ou o desenho animado. De repente, uma personagem chama intuitivamente a atenção. De alguma maneira, esta conseguiu aproximar-se do seu público, seja por seu carisma que projeta nossas aspirações mais ambiciosas ou por seu sofrimento, que remete piedosamente ao nosso desespero. De qualquer maneira, estamos todos fascinados por ela. Ocorre a identificação.
A Indústria Cultural, que é mestra em transformar nossos desejos em mercadorias, conhece bem procedimentos desse tipo. Deliberadamente, ela insere em seus produtos elementos que invocam em nós os mecanismos para os quais não temos defesas. Pouco tempo depois, lá estamos nós defendendo com afinco as maquinações das classes dominantes, sem pensar por um momento que é através de seus artifícios prazerosos que nos são infligidas as mais duras formas de exploração.
Contra essa forma de domínio, a única alternativa viável é o distanciamento crítico. Se inicialmente precisamos nos aproximar da obra para apreciá-la, é somente quando nos afastamos é que podemos vê-la tal como é. Logo, o trabalho consiste fundamentalmente em separar da observação aquilo que diz respeito às convicções mais pessoais, para a partir daí apreendê-la como um objeto no mundo, e não mais como uma extensão reificada de nossos anseios.
Mais uma vez, e como sempre, é a razão que deve salvar-nos de nós mesmos. Do contrário, o que nos resta é aplaudir os algozes, enquanto estes enchem os bolsos às custas de nossa miséria. A revolução, como um evento também integrante da cultura, não pode ser realizada a menos que antes se quebrem da burguesia as suas casas de espelhos.
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