quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Um teto todo nosso, Por Luana Aguiar

Literatura

Um teto todo nosso
Por Luana Aguiar

Na Inglaterra, no final da década de 1920, Virgínia Woolf fora convidada a palestrar em duas universidades inglesas para mulheres, incumbida de falar sobre o tema “As mulheres e a ficção”. Um teto todo seu (2014 [1928])* é fruto destas palestras e constitui-se como uma das principais referências sobre a questão da autoria feminina até os dias de hoje.

Em meio as suas reflexões, Woolf cria uma narrativa para Judith Shakespeare, uma suposta irmã de William Shakespeare, que teria sido tão talentosa quanto o irmão, porém não teria alcançado o mesmo sucesso. Judith, por ser mulher, diferentemente de seu irmão, não frequentou a escola, “não teve a oportunidade de aprender gramática e lógica, que dirá de ler Horácio e Virgílio”, fora instruída, pelos pais, a permanecer nos aposentos domésticos e a casar ainda muito jovem.

Segundo imagina Woolf, “talvez rabiscasse algumas páginas em um pequeno sótão às escondidas, mas tinha o cuidado de escondê-las ou queimá-las” (WOOLF, 2014 [1928], p. 37). Numa noite, a jovem consegue escapar da família e viaja até Londres, para tentar uma carreira como artista, porém é, além de mal recebida, humilhada pelo gerente do teatro. Por fim, a jovem, infortunadamente, casa-se com um ator diretor do local, engravida e, desesperançosa, se suicida.

Personagens femininas sempre marcaram a literatura ao longo da história, em narrativas, na dramaturgia ou na poesia foram inspiração de grandes artistas. Porém, na vida real, era propriedade do marido, não tinha direito à educação, estava confinada ao espaço doméstico, privado. Se no começo do ensaio Woolf afirma que “uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção” (WOOLF, 2014 [1928], p. 10), com esta pequena ficção sobre Judith Shakespeare ela nos demonstra, de modo mais detalhado, a impossibilidade de uma mulher ter escrito obras como as de Shakespeare – não por não ser talentosa, mas pelas condições ligadas ao gênero que impedem as mulheres de exercerem a sua liberdade para escrever e ser reconhecidas como artistas.

Ainda hoje mulheres publicam menos do que homens. As grandes editoras ainda privilegiam vozes masculinas, geralmente enquadradas num padrão heterossexual, branco e de profissões já privilegiadas, como artistas, jornalistas, políticos ou acadêmicos. Assim, devemos lutar por um teto todo nosso – não no sentido original, criado por Woolf, relacionado ao espaço e independência financeira, mas como um clamor de novas formas de publicar-nos, criando espaços editoriais como uma forma de dar voz ao que, por muito tempo na história, esteve em silêncio.



*WOOLF, Virgínia. Um teto todo seu. 1. ed. São Paulo: Tordesilhas, 2014.






Nenhum comentário:

Postar um comentário