sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Conto: O Homem Extraordinário, de Victor Leandro

Conto

O homem extraordinário

Passava de zero hora. Ele entrou sem fazer barulho.
-está feito.
-mesmo?
-sim.
-de que forma?
-como conta a narrativa.
-dois cadáveres então?
-isso.
-uma velhinha e a cuidadora?
-exatamente.
-tem provas?
Estendeu-lhe o celular e abriu na página do Holanda.
-como saber se foi você?
-olhe os detalhes.
Observou a fotografia com atenção. Entre os dois corpos, um livro posto de pé. A imagem não estava muito boa, mas era possível distinguir o título. O velho sorriu.
-você foi ousado.
-sim, eu posso. É disso que se trata.
-seguramente.
-então, estou dentro?
-isto não sou eu quem diz. É preciso falar com o Líder.
-e onde ele está? 
-no quarto atrás de nós.
Permaneceram em silêncio um em frente ao outro. O homem hesitou, mas depois seguiu adiante. Foi quando teve de ser interrompido.
-eu vou chama-lo.
O Líder abriu a porta e olhou em volta. Não esboçou reação ao perceber a presença de ambos. Trajava jaqueta escura e um cachimbo. Costumava dizer que o cigarro saíra de moda.
Viu a imagem no telefone. Falou-lhe complacentemente.
-isso não é nada. Poderia ser há dois séculos, mas hoje não tem significado algum.
-mas eu o fiz!
- não duvido. Só digo que não tem a menor relevância. Não muda coisa alguma.
-e o que é que muda alguma coisa?
-a seu favor, devo dizer que acertou na questão do livro. Uma obra-prima, aliás. Porém, creio que seria preciso fazer um par com ele para chegar aonde quer.
-e qual seria? E qual seria?
-se não sabe, é porque não está mesmo dentro.
A fumaça espalhava-se no ar. Era uma noite incomumente fria para aquela época do ano.  Sem qualquer mesura, o Líder virou-lhes as costas e recolheu-se aos seus aposentos. Antes de fechar a porta, deu ainda um último meio sorriso.
-você acertou na arte e na nação. Faltou apenas avançar quarenta anos. Feito isso, então poderá ser extraordinário.
A porta se fechou. O silêncio rodeava-lhe inteiro. Pela primeira vez em muito tempo, ele estava calmo. Sabia mais do que nunca o que fazer. O futuro não era mais um nada a sua frente.

Autor: Victor Leandro

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