Conto
Um conto de natal
Dilques fazia sua ceia solitária. Não havia tido um ano bom. Ao contrário, perdera muitas vezes ao longo dos meses. Com isso, a ideia do natal perpassou-lhe a alma dessa vez como uma força cortante, como a dizer-lhe que este ano não poderia escapar de sua impotência e tristeza lúgubres, sempre associadas por ele ao caráter indelevelmente destrutivo do capitalismo, mas que agora penetravam-lhe pelos poros sem que lhes ofertasse nenhuma defesa.
Sim, havia lido muitos livros, e feito algumas discussões. Conseguiu até mesmo reunir um bom número de camaradas. Porém, nada ultrapassou a linha dos projetos. Ao final, terminaram sendo apenas alguns poucos a falar para as cinzas de lugares mortos e obscurecidos, vias de mediocridade e resignação. De uma forma ou de outra, todos estavam presos as suas formas mais cristalizadas de vida, das quais ele então percebia não fazer parte da exceção, e sim da regra.
Também no amor fracassou. Por isso agora passava o natal sozinho.
Folheou as páginas do Manifesto. Eram palavras vivas que se dirigiam a homens também vivos. Só que estes acabaram por morrer, e isso já há muito tempo. Do que restou, estavam tão somente eles a resguardar os escritos antigos, como sacerdotes de uma religião há muito apagada e esquecida. Não tinham mais para onde ir. Sobrara-lhe apenas a conformidade e o desalento, fortemente abraçados naquela noite como uma fuga para sua solitude.
Uma mão bate à porta. Abre. Eram três figuras espectrais.
-Quem são vocês?
-Sou o Espírito dos Natais Passados.
Ele riu. Pensou que ninguém contasse mais essas histórias.
-E o que veio fazer? mostrar como fui mau?
-Na verdade, não. Vim apenas dizer-lhe que a história é devir.
-Certo. E o do presente, o que quer?
-Nada, eu tão somente estou aqui. Mas olhe para o Futuro.
O Futuro ergueu para ele uma sacola e uma arma, convidando-o para sair. imediatamente, ele compreendeu e viu que era chegada a hora. Não tinha mais tempo a perder, nem motivo para permanecer inerte. A melancolia não era assunto para aquele momento.
-Vamos começar pelos fascistas. Em seguida, derrubaremos o capitalismo. A revolução urge!
-Sim.
E seguiram incontinentes e fulgurantes, entre as nuvens brilhosas de natal, propagando a chegada da aurora revolucionária. Não tinham nada a temer. A liberdade começava naquele instante.
Autor: Victor Leandro
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