terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Um conto de natal, de Victor Leandro

Conto

Um conto de natal

Dilques fazia sua ceia solitária. Não havia tido um ano bom. Ao contrário, perdera muitas vezes ao longo dos meses. Com isso, a ideia do natal perpassou-lhe a alma dessa vez como uma força cortante, como a dizer-lhe que este ano não poderia escapar de sua impotência e tristeza lúgubres, sempre associadas por ele ao caráter indelevelmente destrutivo do capitalismo, mas que agora penetravam-lhe pelos poros sem que lhes ofertasse nenhuma defesa.

Sim, havia lido muitos livros, e feito algumas discussões. Conseguiu até mesmo reunir um bom número de camaradas. Porém, nada ultrapassou a linha dos projetos. Ao final, terminaram sendo apenas alguns poucos a falar para as cinzas de lugares mortos e obscurecidos, vias de mediocridade e resignação. De uma forma ou de outra, todos  estavam presos as suas formas mais cristalizadas de vida, das quais ele então percebia não fazer parte da exceção, e sim da regra.

Também no amor fracassou. Por isso agora passava o natal sozinho.

Folheou as páginas do Manifesto. Eram palavras vivas que se dirigiam a homens também vivos. Só que estes acabaram por morrer, e isso já há muito tempo. Do que restou, estavam tão somente eles a resguardar os escritos antigos, como sacerdotes de uma religião há muito apagada e esquecida. Não tinham mais para onde ir. Sobrara-lhe apenas a conformidade e o desalento, fortemente abraçados naquela noite como uma fuga para sua solitude.

Uma mão bate à porta. Abre. Eram três figuras espectrais.

-Quem são vocês?
-Sou o Espírito dos Natais Passados.
Ele riu. Pensou que ninguém contasse mais essas histórias.
-E o que veio fazer? mostrar como fui mau?
-Na verdade, não. Vim apenas dizer-lhe que a história é devir.
-Certo. E o do presente, o que quer?
-Nada, eu tão somente estou aqui. Mas olhe para o Futuro.
O Futuro ergueu para ele uma sacola e uma arma, convidando-o para sair. imediatamente, ele compreendeu e viu que era chegada a hora. Não tinha mais tempo a perder, nem motivo para permanecer inerte. A melancolia não era assunto para aquele momento.
-Vamos começar pelos fascistas. Em seguida, derrubaremos o capitalismo. A revolução urge!
-Sim.
E seguiram incontinentes e fulgurantes, entre as nuvens brilhosas de natal, propagando a chegada da aurora revolucionária. Não tinham nada a temer. A liberdade começava naquele instante.

Autor: Victor Leandro

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