sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Conto O DUPLO E SEU TEATRO, de Victor Leandro

Conto

O duplo e seu teatro

O palco. A cena. A eletricidade a correr na pele. Um segundo a mais, e espera, e espera. A hora chega. Uma ordem que lhe dá a possibilidade do gesto. Um silêncio. Doze, doze frases apenas, mas que não podem ser ditas maquinalmente, e sim com vísceras, com olhares de fogo.

Vê então, é a plateia. Desvia. Tenta-se. Vira-se de novo. Eles estão lá, fixos, como bonecos de cordas a esperar o comando, ou a frase, ou o vazio. Que se pode dizer a eles que não tenham ouvido? Ou como se pode dizer a eles porque já o têm ouvido? Não é permitido hesitar, ou entrará tudo a perder. Concentra-se. Inicia seu ato.

Mas espere! Detém-se ainda um instante. Os rostos parecem-lhe familiares. Não, não exatamente familiares. São rostos dele mesmo. É isso! Está diante de seus duplos, ou melhor, de seus múltiplos, das iguais sua face delirante. É tarde para buscar explicações. Ele é que tem de agora ser outro. O texto. O texto!

Mas são duplos impertinentes. Escarnecedores, troçam de sua inquietude. Depois, por puro sadismo, começam a antecipar suas palavras, enquanto esperam a repetição. Porém são melhores e mais seguros. Então julgam, riem e cochicham. Não pode ser mais do que você mesmo? Não é capaz nem de superar a si?

Desperta. Foi um transe, tão somente. Posta adiante, a plateia, agora de traços distintos, aplaude efusiva. Ele se vira para os outros e pergunta o que aconteceu. Ninguém diz. Todos estão compenetrados em serem de novo o que eram, simples atores que simulam a grandeza. Do outro lado da sala, uma luz se acende.
O palco. A cena.

Autor: Victor Leandro

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