terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Conto: Cena Original, de Mauricio Braga

Conto


Cena original

– Vamos escrever sobre o quê?
– Não sei. Falar o novo se tornou impossível.
– Tem fogo aí? Quero acender um cigarro.
– Mas você não fuma.
– Sim, eu sei. Mas o cigarro constrói uma atmosfera propícia à escrita.
– Bobagem!
– Custa tentar?
– Tenho fogo não.
– Deixa pra lá. Encontrei duas pedras. Vou bater uma na outra. O atrito entre elas provocará faíscas que acenderão o cigarro.
– Boa ideia. Era assim que o homo dinossauros acendia o seu cigarro na idade da pedra.

O CIGARRO FOI ACESO.

– Não precisa nem tragar. Veja como eu fico charmoso.
– É... mas voltando ao assunto, vamos escrever sobre o quê?
– Não sei. Tudo já foi dito. Chegamos tarde, meu amigo.
– Verdade. Que droga! Me dê as pedras, vou fumá-las.
– Sabe de uma coisa? Descobri nosso problema. As línguas estão gastas! Temos que criar uma nova! Só assim diremos algo original. Português, francês, inglês, espanhol, russo, alemão, italiano, e todas as outras línguas existentes, estão saturadas de tanto uso. É impossível dizer algo novo usando elas.
– Verdade! Vamos criar uma língua então. Invente uma palavra.
– Como assim?
– Sei lá, junte sons e sílabas. Vamos, camarada, qualquer palavra inédita.
– Deixe-me pensar... ah... já sei: Gezur!
– “Gezur”... gostei. O que significará?
– Gezur significará “verdade”, a mais importante das palavras.
– Maravilha! Mas antes vou procurar na internet para ver se ela é de fato original.

SENTA-SE NO COMPUTADOR E PESQUISA.

– Droga! Maldição! Gezur já existe! Gezur significa mentira em basco.
– Que porra!
– Pelo visto, estamos condenados à repetição. Teremos que dizer tudo de novo.
– Quem sabe possamos pegar várias coisas já ditas e fazer uma colagem. Criar algo diferente a partir do velho.
– Bobagem! O melhor é desistirmos.

JOGARAM TODOS OS MANUSCRITOS NO LIXO E FORAM A UM BAR. CHEGANDO LÁ, PEDIRAM UMA CERVEJA E UMA PORÇÃO DE PASTICHES FRITOS.

FIM DO PRIMEIRO E ULTIMO ATO.

Autor: Mauricio Braga




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