sábado, 30 de maio de 2020

Reflexões acerca da conjuntura brasileira, Por Gabriel Henrique

Coluna Conjuntura Marxista



Reflexões acerca da conjuntura brasileira*
Por Gabriel Henrique

A crise capitalista mundial, agravada pela pandemia do Coronavírus, impôs um novo desafio à burguesia brasileira, com as taxas de lucro em evidente queda, o que fazer para retomá-las? Trata-se da questão fulcral em torno da qual gira todo o debate acerca da crise econômica e do isolamento social. É evidente que a posição “negacionista” de Bolsonaro não veio à sua cabeça ex nihilo, ela representa, antes de tudo, o afã da coalização burguesa no poder; é também verdade que a burguesia não quer ver colada a si essa face cruel que, de modo evidente, quer a “volta à normalidade” porque necessita evitar o ocaso de seus negócios, mesmo que isso signifique a morte de milhões de brasileiros e o colapso do sistema de saúde. Não à toa, têm investido em marketing “solidário”, como se pode ver naquele quadro do JN “Solidariedade S.A”, cuja principal função é promover determinadas empresas e passar a imagem de “responsabilidade social” de certa gama do empresariado brasileiro. 

No entanto, o vídeo da reunião ministerial divulgado na última sexta-feira (22/05) parece ter exposto todas as vísceras do programa econômico da burguesia brasileira quando Paulo Guedes, do alto da indigência típica do liberalismo da periferia do capitalismo, brada que “tem que vender essa p*** logo” se referindo ao Banco do Brasil. Apesar de, há cerca de 1 mês, o ministro da Casa Civil Braga Netto ter apresentado à imprensa o programa “Pro-Brasil”, uma espécie de keynesianismo requentado - que parece ainda gozar de certo prestígio de algumas frações da burguesia brasileira e com parte dos militares – cujo eixos girariam em torno de “medidas estruturantes” e parcerias público-privadas”, a opção da burguesia brasileira parece mesmo ir em direção ao neoliberalismo de Guedes. 

Tanto é assim que as absurdas falas de Guedes não tiveram praticamente nenhum espaço nos principais jornais da TV aberta e nos jornais impressos do país, elas foram calculadamente apagadas do debate público. As notícias de que o vídeo da reunião fora bem recebida pelos bancos privados [1], e pelo “mercado”[2] em geral são prova inconteste de que o programa de Guedes é o escolhido pela burguesia brasileira; a notícia de que o Brasil deverá tomar empréstimos com bancos estrangeiros [3] é mais uma prova de que o caminho a ser seguido para retomada da taxa de lucro no Brasil será o da venda completa do patrimônio público, a concessão ao capital financeiro internacional, o aumento do número de desempregados com a consequente queda dos salários, etc. 

Um programa neoliberal como esse não é mera “opção” da burguesia brasileira, ele é uma necessidade imposta pela atual crise. A velha fórmula keynesiana não parece ser mais possível no atual quadro conjuntural (e creio que mesmo que fosse possível ele seria insuficiente para resolver a atual crise), as condições históricas que permitiram seu surgimento já não existem mais há muito tempo e todas as “conquistas” do assim chamado Welfare State – que não foram nada mais nada menos que circunstâncias fornecidas pela luta de classes, como a própria existência da URSS, da luta anticolonial, e de revoluções ao redor do mundo, como a Cubana, Chinesa, etc. - foram continuamente destruídas ou, pelo menos, atacadas pelo neoliberalismo, uma necessidade imposta pela crise que atingiu o mundo nos anos 70. Desde lá as burguesias ao redor do mundo não desenvolveram outro instrumental teórico e seguem com sua aposta dobrada no neoliberalismo, cada vez mais radical, a depender da necessidade da crise. É bem possível que um novo padrão de acumulação capitalista possa surgir nas próximas décadas, mas o que vemos hoje é o esgotamento cada vez maior da dinâmica capitalista mundial, bastante afetada pela interrupção da circulação de mercadorias provocada pelo Coronavírus, que impediu qualquer tentativa de retomada rápida dos lucros, cuja necessidade de extração de mais-valia é cada vez maior, especialmente nos países periféricos.  

O debate acerca da autonomia da polícia federal, do racha entre Moro e Bolsonaro, da “independência e harmonia” entre os poderes, etc. não é nada mais que o debate entre liberalismo de esquerda e liberalismo de direita. Na verdade, o que esse liberalismo cínico gostaria de ter no meilleur des mondes possibles é um Bolsonaro à français, um pouco mais refinado e menos errático na condução do seu programa político-econômico. 

O Brasil que nossa burguesia pretende construir é um Brasil de miseráveis, cuja força de trabalho seja barata e que esteja amplamente disponível no mercado com normas legais o mais flexíveis possível, com um Estado à disposição para ser saqueado quando necessário e submisso ao imperialismo. Não há outro caminho para o Brasil senão a Revolução Brasileira, cuja debate está mais do que na ordem do dia.



[1.] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/23/bancos-empresarios-reuniao-ministerial-austeridade-fiscal-paulo-guedes.htm
[2.] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/25/programa-liberal-ecoa-tanto-quanto-palavroes-dizem-economistas.htm 
[3]. https://oglobo.globo.com/economia/governo-deve-pedir-emprestimo-de-us-4-bi-organismos-internacionais-para-pagar-auxilio-de-600-24442261

*Escrito em 24/05/2020

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