O FOQUISMO NA REVOLUÇÃO CUBANA
por Christopher Souza da Rocha
INTRODUÇÃO
A Revolução Cubana foi, sem dúvidas, um dos principais acontecimentos da América Latina na segunda metade do século XX, resultado de um movimento guerrilheiro que seria responsável pela derrubada do governo ditatorial de Fulgêncio Batista e a tomada do poder, em 1959, pelo jovem Fidel Castro e o exercício rebelde. O presente artigo aborda a relação entre a Revolução de 59 com as teses defendidas por um dos importantes líderes do movimento revolucionário, Che Guevara, que viria publicar suas ideias, após a Revolução, no livro “Guerra de Guerrilhas”[1]. Mais tarde, em 1967, as ideias de Guevara serão organizadas pelo sociólogo francês Régis Debray, com a publicação do livro “Revolução na Revolução”. Mas, antes de tudo, é necessário conhecermos a construção do movimento revolucionário em Cuba e o porquê da formação desse movimento.
Após a guerra entre Estados Unidos e Espanha, em 1898, Cuba, até então colônia espanhola, obteve a sua independência. As tropas norte-americanas ocuparam a ilha até 1902, quando foi instituído o primeiro governo republicano. Mas, por pressão dos EUA, a nova Constituição cubana, promulgada no ano anterior, teve de se submeter aos norte-americanos dando-lhes o direito de intervir militarmente na Ilha sempre que seus interesses fossem ameaçados, Cuba, portanto, tornou-se um país com soberania limitada.
Em março de 1952, após alguns anos de governos democráticos, Fulgêncio Batista autoproclamou-se presidente de Cuba, com apoio dos EUA, com interesse em impedir a participação de partidos de esquerdas nas eleições que aconteceriam no mês seguinte, sendo que ele já havia sido presidente por dois mandatos e não poderia mais se reeleger. Na Universidade de Havana, os estudantes criticavam o governo de Batista. Entre eles estava o jovem Fidel Castro.
Em 26 de julho de 1953, Fidel, com 26 anos de idade, liderando um grupo de 150 homens, atacou o quartel militar de Moncada. O objetivo era derrubar Batista. Mas os planos fracassaram e Fidel acabou sendo preso. Condenado a 15 de prisão, foi beneficiado com uma anistia e, em menos de dois anos, estava em liberdade.
No ano de 1955, Fidel foi para o México organizar outra revolta. Ele liderava uma organização política, o Movimento Revolucionário 26 de julho (MR-26). Um jovem médico de 27 anos, Ernesto Che Guevara, integrou-se ao grupo e mais tarde, junto a Fidel, seria uma das principais lideranças do movimento revolucionário.
Fidel planejava desembarcar em uma praia cubana e iniciar a luta, contando com revoltas nas ruas das cidades em apoio ao seu movimento. Um pequeno iate foi comprado, chamado de Granma. Em 2 de dezembro de 1956, Fidel, Che e cerca de 80 homens chegaram em Cuba, mas encalharam num recife. Foram atacados pelo exército de Batista e somente 12 deles conseguiram escapar, refugiando-se em Sierra Maestra.
A sociedade cubana, nesse período, manifestava-se forte oposição à ditadura de Batista, além de sindicatos de trabalhadores e organizações estudantis, atuavam o Partido Comunista Cubano e o Partido Socialista Popular[2]. Os guerrilheiros refugiados nas montanhas receberam apoio político, alimentos e armas enviados por lideranças de partidos e movimentos sociais das cidades. Com as adesões e o apoio que receberam, Fidel, Che e os rebeldes se sentiram fortes para formar quatro colunas militares e derrubar o governo de Batista.
No final do ano de 1958, boa parte do país era controlada pelo MR-26. No dia 1º de janeiro de 1959, as forças rebeldes entraram em Havana. No dia seguinte, Batista abandonou o país. E em 1961 o novo governo cubano declarou que a Revolução, iniciada como nacionalista e anti-imperialista, passaria a ser também socialista.
O FOQUISMO
Um ano após a Revolução Cubana, em 1960, Che Guevara apresentou suas teses sobre a estratégia utilizada na Revolução e que, para ele, serviria de modelo para toda a América Latina, organizado em um livreto intitulado “Guerra de Guerrilha”, o qual apresenta, o que Régis Debray chamaria mais tarde, “A teoria do foco”[3]. Em Guerra de Guerrilha, Guevara apresenta três contribuições fundamentais da Revolução Cubana para teoria e a prática dos movimentos revolucionários na América Latina: 1º As forças populares podem ganhar a guerra contra o exército; 2º Nem sempre há que se esperar que se deem todas as condições para a Revolução; o foco insurrecional pode cria-las; 3º Na América subdesenvolvida, o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente no campo (DOSAL, 2006, p. 217).
A Guerra de Guerrilha apresentava que a Revolução se daria, a partir, do foco guerrilheiro, formado por uma vanguarda armada que provocaria uma ação das massas. Este foi o caso da experiência cubana, que no desenvolvimento da Revolução, sobretudo durante o movimento guerrilheiro em Serra Maestra, as lideranças revolucionárias tornam-se fundamentais para a mobilização das massas, como afirma Ricardo A. Mendes:
Se Fidel possuía, desde sua origem, uma proposta socialista, o movimento seria obviamente, igualmente socialista. A noção de vanguarda revolucionária ganha, aqui, uma grande relevância. Seria a vanguarda armada, articulada a partir de uma estratégia calcada no foquismo, a grande responsável pela vitória. E se Fidel, considera essa perspectiva, era então o líder desse movimento foquista[4].
Guevara também discorre sobre as insuficiências do Partido para a Revolução, o qual é substituído pelo foco, aparentemente entrando em contradição com a teoria marxista-leninista e a experiência leninista da Revolução Bolchevique na Rússia. De fato, para Guevara, a Revolução Cubana se diferencia taticamente da experiência bolchevista. Porém não negava o marxismo-leninismo. Nesse sentido, apresenta Paul J. Dosal:
Che concluía que a Revolução Cubana contradissera a premissa fundamental de Lênin, segundo o qual não pode haver movimento revolucionário sem uma teoria revolucionária. Os principais líderes da insurreição cubana sabiam alguma coisa sobre o pensamento marxista-leninista, mas nenhuma teoria revolucionária os guiava ao embarcar no Granma. A improvável vitória deles demonstrara que “a revolução pode ser feita se as realidades históricas são interpretadas corretamente e as forças envolvidas são utilizadas corretamente, mesmo se a teoria não é conhecida”. Ao escrever a Guerra de Guerrilhas, Che não pretendia revisar Marx, Lênin ou Mao e construir uma nova teoria, modelo ou paradigma revolucionário. Ele simplesmente pretendia ensinar revolucionários a fazer a revolução [...].
A teoria do foco ganhou uma maior densidade teórica a partir de a “Revolução na Revolução”. Régis Debray foi um dos grandes entusiastas da Guerra de Guerrilha, destacado por construir suas ideias a partir da ação concreta, chegando inclusive a combater ao lado de Guevara na selva boliviana. Debray “tornou-se o mais conspícuo ideólogo da Revolução Cubana e um dos que mais influenciaram a esquerda radicalizada surgida na década de 1960” [5].
Debray, marxista-leninista, enxergava na Guerra de Guerrilha, que assim como em Cuba, seria essencial para a Revolução Socialista na América Latina, “Cuba mostrou mais uma vez, em primeiro lugar, que a revolução socialista é o resultado de uma luta armada contra o estado burguês” (DEBRAY, 1996, p.7). Apresentava que o desenvolvimento da Revolução dar-se-ia a partir da guerrilha revolucionária clandestina, independente da população civil, com o objetivo principal de destruição do potencial militar do inimigo e esse objetivo requer o foco permanentes independentes do que esteja nas zonas de operação (DEBRAY, 1996, p.27).
O pensamento de Debray não se limita a interpretar que a luta de guerrilha é suficiente para destruir o potencial militar e a máquina de repressão do Estado burguês. Para ele, a luta de guerrilha representa uma fase da guerra revolucionária, “para destruir um exército é preciso construir outro”. Debray considera a guerrilha como “núcleo do exército popular e do futuro Estado Socialista” (DEBRAY, 1996, p. 74)
Agora organizado, o Foquismo seria disseminado na realização da I Conferência Tricontinental, realizada em Havana em 16 de abril de 1967, nesse evento criou-se a Organização Latino Americana de Solidariedade (OLAS), que tinha por objetivo financiar e treinar grupos guerrilheiros da América Latina, na ocasião, Che Guevara, fez um histórico discurso da luta anti-imperialista na América Latina, “A América, continente esquecido pelas últimas lutas políticas de libertação, que começa a fazer-se sentir através da Tricontinental, na voz da vanguarda de seus povos, que é a Revolução Cubana, terá uma tarefa muito maior: a criação do segundo ou terceiro Vietnã no mundo” (DOSAL, 2006, p.243).
INFLUÊNCIAS DO FOQUISMO NA AMÉRICA LATINA
A Revolução Cubana provocou uma grande efervescência política na América Latina, os Partidos de esquerda em praticamente todo o continente, se entusiasmaram com a vitória da Revolução. Grupos guerrilheiros se formaram, dentro e fora dos Partidos. E com o objetivo de sair do isolamento, o próprio Governo cubano, também, passou apoiar as ações revolucionárias socialistas em toda a América Latina, incentivando a formação dos Focos Guerrilheiros.
A partir daí, Cuba incentivou e apoiou movimentos revolucionários na Argentina, Colômbia, Guatemala, Brasil, Peru e na Venezuela. E ainda em 1967 Guevara vai a Bolívia com intuito de construir um foco guerrilheiro, onde foi capturado e assassinado por agentes da CIA norte-americana (DOSAL, 2006, p.275). O temor que a Revolução Cubana pudesse gerar outros movimentos revolucionários na América Latina, levou os EUA a adotar várias medidas reacionárias contra a América Latina.
A Bolívia, em 1964, sofre o golpe militar de Barrientos, o qual derruba o Governo do Movimento Nacionalista Revolucionário. Em 1965, uma invasão de fuzileiros navais dos EUA, derruba, na República Dominicana, o presidente eleito Juan Bosch. Em 1968, Valasco Alvarado, encabeça um golpe militar no Peru. Em agosto de 1971, ocorreu o golpe militar na Bolívia, que derruba o governo nacionalista de Juan José Torres. Em junho de 1973, um golpe militar dissolve o Parlamento no Uruguai, e em setembro do mesmo ano, um golpe encabeçado por Augusto Pinochet, com a poio e financiamento dos EUA, derruba o governo de Salvador Allende e inicia um massacre nos sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais em geral. Em 1975 o general Morales Bermúdez toma o poder no Peru. Por fim, em março de 1976, acontece um golpe militar na Argentina, iniciado por um enorme regime repressivo, com desaparecimento em massa de sindicalistas, militantes de esquerda e estudantes[6].
O Brasil, ainda nos primeiros anos da década de 1960, começava a viver um clima de acentuação da participação popular em lutas socais. Durante o governo de João Goulart a luta por reformas estruturais, sobretudo as Reformas de Base, propostas pelo então presidente, passou a mobilizar um grande número de trabalhadores. O sentimento nacionalista mobilizou também estudantes, artistas e até mesmo a classe média urbana, que tinham como pautas a transformação da estrutura educacional e a Reforma Agrária, assim também pautas relacionadas a questão econômica do país. Por outro lado, havia setores da elite e das forças armadas descontentes com o clima reformista que tomava as ruas do Brasil. No Parlamento havia uma forte oposição da direita antirreformista, o Governo dos EUA financiou os governadores adversário de Goulart e as narrativas anticomunistas passavam a ganhar força entre a classe média e os trabalhadores (ARNS, Paulo. 1986). Em 1º de abril de 1964 se consolida no Brasil o Golpe Civil-Militar[7]. Em 1968 o governo ditatorial impõe o Ato Institucional nº 5 (AI-5), de cunho completamente autoritário, concedendo extremos poderes ao presidente militar: de fechar o congresso, suspender direitos políticos, cassar parlamentares e julgar crimes políticos. As entidades de organização social entram na ilegalidade, restando, como única forma de oposição ao regime, a clandestinidade. A Ditadura Civil-Militar (1964-1985), em que pese a perseguição aos opositores do regime, não conseguiu impedir o povo de se organizar, sobretudo, os partidos e organizações marxistas que construíam suas ações políticas dentro das instâncias legais, nos primeiros anos do golpe, e na clandestinidade após o AI-5. Outros setores de oposição como militares, sindicalistas, estudantes, políticos, jornalistas e religiosos também foram alvo do governo ditatorial (ARNS, 1986: 117). Nesse sentido, diante da clandestinidade, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), organizou uma Guerrilha, na região amazônica, no fim da década de 1960 e meados de 1970, de inspiração foquista esse movimento ficou conhecido com Guerrilha do Araguaia[8].
CONCLUSÕES
As teses do Foquismo, formuladas por Che e sistematizadas por Debray, foram construídas intrinsecamente ligadas a história do processo revolucionário cubano. A experiência dessa Revolução, como próprio apresentou Che, foram diferentes das experiências revolucionárias na Europa, diferenciando-se, sobretudo, da Revolução Soviética, de 1917.
Devido a ofensiva reacionária dos EUA na América Latina, sobretudo contra as organizações e lideranças socialistas, o Foquismo acabou por ser uma experiência exclusivamente cubana. Os golpes militares em vários países do continente não foram impeditivos para tentativas de insurreições de modelo Foquista na América Latina.
O Foquismo em Cuba é, senão, a própria expressão da Revolução Cubana. E essa experiência revolucionária foi importante para inspirar a luta anticolonialista e antiimperialista na América Latina. É importante ressaltar a ideia de Che e Debray de uma Revolução estilo Latino Americana, com características próprias e construída a partir das realidades e analises concretas do momento histórico, não entrando em contradições com o marxismo, mas adaptando-o para as especificidades latino-americanas.
Por fim, na segunda metade do século XX, a América Latina deparou-se com um fenômeno, que se tornaria a bandeira, na forma de luta mais radicalizada dos povos no continente, a bandeira da liberdade.
Concluo com as palavras do Che Guevara, em seu discurso na ocasião da I Tricontinenta, “Mensagem aos Povos do Mundo Através da Tricontinental”, de 16 de abril de 1967, em Havana:
“Toda a nossa ação é um grito de guerra contra o imperialismo e um clamor pela unidade dos povos contra o grande inimigo do ser humano: os Estados Unidos da América do Norte. Em qualquer lugar que surpreenda a morte, que seja bem-vinda, sempre que esse, nosso berro de guerra, tenha chegado até um ouvido receptivo e a outra mão se estenda para empunhar nossas armas, e outros homens se apresentem a entoar os cantos de luta, com rajadas de metralhadoras contra o inimigo e novos berros de guerra e vitória” (DOSAL, 2006, p. 256).
NOTAS
[1] Vê DOSAL, Paul J. Comandante Che – Guerrilheiro, líder e
estrategista, 1956 – 1967. São Paulo: Globo, 2006.
[2]
Vê GOTT, Richard. Cuba. Uma nova
história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
[3] DEBRAY, Régis. Revolução na Revolução. São Paulo:
Centro Editorial Latino Americano, 1996.
[4] MENDES, Ricardo A. S. Pensando a Revolução Cubana: nacionalismo,
política bifurcada e exportação da Revolução. Artigo Científico – Rio de
Janeiro.
[5] (2010) CORDEIRO, Ítalo R.
Xavier. A Cultura Política da Revolução
Latino-americana na década de 1960: Régis Debray e o Foquismo. Tese de
Mestrado – Universidade Estadual Paulista.
[6] COGGIOLA, Osvaldo. Governo militares na América Latina.
São Paulo: Contextos, 2001.
[7] Ver: NAPOLITANO, Marcos. 1964:
História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2013.
[8] Ver:
A Guerrilha do Araguaia. Comissão da Verdade
Relatório Oficial, cap 14, pg 5 -10.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(2010) CORDEIRO, Ítalo R. Xavier. A Cultura Política da Revolução Latinoamericana na década de 1960: Régis Debray e o Foquismo. Tese de Mestrado – Universidade Estadual Paulista.
COGGIOLA, Osvaldo. Governo militares na América Latina. São Paulo: Contextos, 2001.
DOSAL, Paul J. Comandante Che – Guerrilheiro, líder e estrategista, 1956 – 1967.
MENDES, Ricardo A. S. Pensando a Revolução Cubana: nacionalismo, política bifurcada e exportação da Revolução. Artigo Científico – Rio de Janeiro.
NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2013.
RELATÓRIO NACIONAL DA VERDADE. Vários autores. Publicado em 10 dez 2014. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/index.php/outros-destaques/574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv. Acesso em: Ago de 2018.
São Paulo: Globo, 2006.
Vê GOTT, Richard. Cuba. Uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. - DEBRAY, Régis. Revolução na Revolução. São Paulo: Centro Editorial Latino Americano, 1996.
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