O jogo do Rinoceronte
por Victor Libório
Iam fazer uns dez minutos naquele impasse. Quando enfim o garoto que usava uma máscara improvisada com camisa de futebol falou:
– Já sei! – Ele sorriu para si, olhando o trio sentado que lhe enxergava somente os olhos agitados.
Os três observavam atenciosos o rapaz ao se aproximar das inúmeras prateleiras. E como se muito bem decidido, ele caminhou firme até estacionar de frente para uma delas, e logo puxar um livro imenso. Voltou com o objeto sob o braço.
Exibiu a capa à plateia. Era verde, com Vitórias-régias no centro. O título em tipografia garrafal, texturizado com padrões que lembravam as penas de alguma ave azul e vermelha.
– Bora lá – disse ele. – Cada um de vocês vai falar um bicho. Aí, a gente vai olhar página por página e se o bicho que vocês disseram aparecer, aí, quem falou ele, vai embora. Fácil, né?
Ninguém falou nada.
– Né??? – mais alto. Os três assentiram.
Então ele abaixou um pouco, na altura dos outros. Pingavam de suor, mas era um dia frio. Olhando direto para um deles, o garoto perguntou:
– Que bicho tu é?
– S-s-sucuri.
– Okay. E tu? – para o segundo da linha.
– Hã... Peixe-boi!
– E tu? – ao último.
– É...
Todo mundo prestava atenção. Deram um pulinho quando o rapaz falou um “Hein!” meio alto.
– Hã... é.... – A voz trêmula. Esse suava um pouco mais que os outros.
Nessa hora, o menino chegou bem perto. Pôs a mão quase rente ao rosto liso do terceiro, que sentiu o toque de um objeto gelado nas bochechas inquietas. E respondeu, por fim:
– Rinoceronte!!!!
– Certo – o rapaz se afastou.
Sentou sobre a mesa mais próxima, com o livro em mãos.
– Já que, infelizmente, nenhum de vocês tá com a mão livre agora (mas isso é só pra ninguém fugir da leitura) – riu. – Eu vou ler pra vocês, tá bom?
Os três permaneceram estáticos e concentrados no falante.
– Não tem erro. É pá-pôu: eu falo o nome do bicho... e pou! Podimbora!
Sendo assim, ele leu cada folha em voz alta, até as legendas de figura e as notas de rodapé. No meio da 47, falou.
– ...por exemplo, o peixe-boi, que nada e é mamífero.
PÁ!!!
Na 104:
– ...veneno, às vezes, é dispensável a répteis carnívoros. A sucuri, sendo a maior...
PÔU!!!
Na 296:
– ...o caule espinhento do tucumanzeiro é...
Ele olhou para o singular espectador por alguns segundos.
– Vou mijar – disse. – Dobrou o canto da página e jogou o livro na mesa. Quando abriu a porta, foi possível ouvir certa gritaria vinda do lado de fora, brevemente.
Sozinho, o último ouvinte encarava o livro gigantesco. Que não lhe era novidade, muitas mãos daquele lugar já o haviam folheado. Mas olhou, com importância que antes não tinha dado, para o título: Enciclopédia da Amazônia. Três ou quatro minutos depois, ele ouviu de novo a algazarra externa. Era o garoto de volta.
– E aí? – Sentou-se no mesmo lugar. – Bora seguir, Rinoceronte?
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