segunda-feira, 25 de maio de 2020

Exposição: Sem Título, de Giovanne Reis

Apresentação
Um Sísifo invertido buscando o vazio*

A condição humana, segundo Albert Camus, é absurda. Isso se dá porque o homem, ser racional, que aprende, apreende e torna tudo conhecido por meio da razão, busca realizar esse processo com o mundo, que é, em última instância, irracional e inapreensível. O absurdo, portanto, é a razão que encontra seus limites. 

Em função disso, Camus apontará que a ação autêntica é manter o absurdo vivo por meio de sua negação, isto é, continuar o processo mesmo sabendo-o, no fim das contas, impossível. Nesse sentido, o homem teria de tentar ser feliz num processo como o do mito de Sísifo, condenado a levar uma pedra para o cume de uma montanha, para, logo em seguida, ela voltar à sua posição inicial e tudo recomeçar.

Isso é o que Giovanne Reis faz em seus desenhos, de modo similar e, não contraditoriamente, ao mesmo tempo, inverso. Ao contrário do Sísifo de Camus, Giovanne não busca expressar o racional, o conhecido, o familiar, o velho, mas o irracional, o estrangeiro, o estranho, o novo, aquilo que está escondido na alma humana, que não pode ser expresso pela razão. Por isso, muitos dos desenhos desse artista parecem ser feitos de uma só canetada, com o instrumento pesado, quase rasgando o papel, como se a força do afeto pudesse fazer o desenho, antes que ele pudesse ser captado por qualquer amarra racional. Quem já pôde tocar um nota isso logo de cara. Daí a similaridade de muitos de seus desenhos com desenhos infantis, que sempre são formas que as crianças encontram de expressar aquilo que elas ainda não sabem comunicar por meio de palavras.

É por essa razão, inclusive, que Giovanne abandona toda a linguagem verbal. Os desenhos desse artista sequer chegam a ganhar títulos. Afinal, a linguagem lógico-discursiva é sempre uma forma de falar sobre o mundo e ordenar a contingência. Quem já leu A náusea viu que Roquentin termina solucionando seu problema projetando escrever um romance, e não pintar quadros. A linguagem visual, por outro lado, consiste apenas em mostrar, dar a ver, revelar. Portanto, é mais propícia para trazer à tona o desconhecido.

Mas a linguagem visual de um desenho, apesar de menos rígida que a verbal, também tem códigos, também é apreensível de certa maneira pelo racional. Para tentar escapar a isso, o artista escolhe montar figuras por meio de linhas confusas e rabiscos. Isso faz com que, muitas vezes, formas conhecidas percam o sentido que usualmente têm. Rabiscos que em outras situações delineariam um sorriso, por exemplo, acabam expressando qualquer coisa, inclusive o oposto de um sorriso, diante da deformação do que há ao redor. E, no fim das contas, como acontece com os conceitos guarda-chuva, aquilo que expressa tudo, na verdade, termina por expressar nada, por revelar o vazio.

Mas Giovanne consegue êxito em sua vontade de ultrapassar o conhecido? Não. E isso parece ocorrer em função de um elemento trágico da nossa pós-modernidade: o fim da possibilidade de novas formas. Aí é que, apesar de todo o esforço, o artista acaba recorrendo a pastiches. A forma que ele usa nas obras termina como um pastiche de Basquiat. Pastiche esse que se revela ainda na representação de retratos e autorretratos de outros artistas conhecidos, como van Gogh, Picasso e Chet Baker. Artistas que são retomados não por referência ou reverência, mas por representarem postura similar a que Giovanne adota. Nesse ponto é que, apesar de tudo, a pedra volta ao estágio inicial.

E isso não é de nenhum modo um problema, pois o artista não se importa. Isso se revela tanto onde faz muitas de suas obras, num bloquinho de papel aleatório com pauta, quanto em sua indiferença com relação ao fato de seus desenhos levarem sua assinatura ou não. Para ele, importante é o processo de rolar a pedra, ainda que ele torne a acontecer indefinidamente.

Como um Sísifo invertido, rolando a pedra montanha abaixo, para, ao fim, ela surgir novamente no topo, Giovanne nos lembra uma coisa pontuada por Camus: tal atitude diante do absurdo é sempre uma atitude de revolta contra a condição presente. Nos tempos atuais, em que o mundo conhecido se esfacela, mas insiste em retornar mesmo sem se sustentar, a obra desse artista surge como um elemento para pensarmos sobre nossa vontade de revolta, de recusa do conhecido e de encararmos, portanto, o que é autêntico, ainda que de forma trágica.

 sem título, de Giovanne Reis

 sem título, de Giovanne Reis
 sem título, de Giovanne Reis

 sem título, de Giovanne Reis

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 sem título, de Giovanne Reis
 sem título, de Giovanne Reis

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 sem título, de Giovanne Reis
 sem título, de Giovanne Reis





*Texto de Matheus Cascaes

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