Coluna Segunda Via
A pergunta escondida
Por Victor Leandro
O estado laico não é um fetiche democrático. Pelo contrário,
ele é a garantia de que alguma democracia é possível, ainda que nos moldes da
burguesia. Sem ele, não existe a menor possibilidade de consolidação, na
estrutura das instituições, de uma racionalidade minimamente operativa, que
garanta a liberdade ideológica dos indivíduos num sentido amplo. É a guerra de
todos contra todos.
Esse estado formalmente neutro é também a garantia da fé. É Apenas
mediante sua existência que as religiões, mesmo as majoritárias, podem
encontrar-se livres de qualquer ameaça, pois é dever dos governantes garantir
seus direitos confessionais. Logo, zelar por ele é atuar em favor das mais
diversas formas de culto, sejam elas numerosas ou praticadas por um número
limitado de pessoas.
Obviamente, como toda conquista social, o estado laico
precisa de um esforço para ser defendido. Ele não está imune às ameaças de
grupos pretendem trazer para si o controle das leis e do poder público em favor
de suas posições teológicas. Assim, é necessário manter uma condição de vigília
permanente, para que este não possa ruir diante de seus agressivos algozes.
Eis o ponto em que dormimos. Sem atentar para o perigo, a
sociedade permitiu ascenderem quase sem resistência grupos cristãos sectários,
os quais se beneficiaram dos discursos de paz para propagar sua ordem. De nada
adiantou apelar para o paradoxo da tolerância, pois a monologia do discurso
libertário individualista o tornou inerte. Como não poderia deixar de ser, tais
grupos ocuparam também as altas esferas da administração executiva, legislativa
e judiciária, e o que temos hoje é a dilaceração das garantias laicas que foram
tão arduamente construídas, estando elas sendo substituídas por uma ordem
obscurantista, unidimensional, fundamentalista e repressora, que procura a todo
custo eliminar as vozes dissonantes e impor a sua visão estreita de mundo.
Pior que tudo isso, é o silêncio dos que poderiam se
manifestar contrariamente. Simplesmente, ninguém coloca essa questão. Os
políticos, com medo de perder seus votos, não dizem qualquer coisa. Ao
contrário, abraçam as causas dos opressores. Os cristãos mais esclarecidos às
vezes contestam, mas esbarram em suas subjetividades. Quanto aos demais, seu
medo de serem tachados de intolerantes os deixa amarrados e sem voz. Fica,
portanto, a mais absoluta inação.
Enquanto isso, o estado laico definha, e, com ele, todos os
indivíduos. Quando este tiver deixado só ruínas, é provável que alguns se
levantem, e tentem enfim encontrar a porta de saída. Mas então será tarde. Os
lugares estarão por demais escuros, e não será possível saber como escapar das
trevas geradas por nós mesmos. Não pode um povo sair da escuridão se ele
próprio apagou suas velas.
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