Literatura
Manaus, poetas marginais e o caso Moraes
Por Mauricio Braga
Em
Manaus, é comum encontrarmos os chamados poetas marginais, que diferem dos
poetas regionalistas (ao estilo Celdo Braga). Se estes exploram o exótico,
aqueles romantizam as mazelas urbanas.
Os
poetas marginais, além de escreverem sobre temas marginais, procuram também se
revestir de uma aura marginal. Acabam,
assim, virando personagens de si mesmos, relegando às suas obras um papel
secundário. Aliás, suas obras geralmente servem apenas para mistificar suas
personas. Tais poetas não perdem a oportunidade de exaltar um passado, real ou
fictício, em que se envolveram com drogas, foram presos ou dormiram na sarjeta,
como se dessa forma conseguissem legitimação. Saliento que aqui me refiro aos
poetas marginais contemporâneos e manauaras. Em nenhum momento abordarei os
poetas marginais dos anos 60, por exemplo, ou os de São Paulo. Ademais, trata-se
de generalizações, pois o que nos interessa é a regra, não as exceções.
No
início dos anos 2000, surgiu em Manaus a revista Sirrose, que reunia alguns
escritores marginais, e cujo nome já anunciava a sua aspiração: “O nome sirrose
foi adotado para deixar claro o caráter marginal, boêmio e corrosivo da revista”
(Souza, 2012, p.15). No número de estreia, um dos colaboradores foi Diego
Moraes – escritor que alcançou projeção nacional. Atualmente, entretanto, Moraes
está envolvido em uma polêmica. Várias pessoas o acusam de realizar golpes.
Ele, segundo as vítimas, recebeu dinheiro por livros que não entregou; pediu
doações alegando estar com câncer, ou endividado com tráfico, ou preso; e
descumpriu um contrato com a editora Record.
Descoberto os golpes, vários dos
seus pares, isto é, poetas marginais, criticaram o escritor. As críticas, em
tom moralista, evidenciam que os ditos poetas marginais não aceitam ações à
margem da lei. A mensagem parece ser: é descolado ser marginal contanto que
siga as normas. Logo, esses críticos não são marginais como se intitulam. Se
fossem, reconheceriam o crime de Moraes como um gesto autentico da imagem que
ele criou. Mas parece que, para os poetas marginais, a contravenção só é aceita
se estiver em um passado distante na biografia do autor.
A
verdadeira postura marginal, portanto, deve ser radical: À margem do mercado, à
margem da legalidade, à margem das instituições. A questão não é fazer apologia
ao crime, mas romper com os centros de poder, incluindo a lei. Se não for
assim, o termo marginal é apenas “oba-oba”.
Os
poetas que se fingem marginais, então, acumulam contradições. Eles, por
exemplo, não rejeitam os espaços da oficialidade. Pelo contrário, defendem que
é necessário ocupá-los. O que, por si só, já põe em xeque a marginalidade (se
ocupa os centros não está na margem!). Ora, como carregar a alcunha de marginal
participando de solenidades na academia de letras? Ou ocupando cargos e
usufruindo editais da secretaria de cultura do Estado? Ou ainda se vangloriando
por ter seu livro divulgado na mídia (o que só prova que é desprovido de
rebeldia)? Não digo que essas atitudes sejam erradas, porém, não cabem a alguém
que se define como marginal. Este deve ser coerente. Deve se recusar a compor
com a institucionalidade, tratando-a com desprezo.
Em
relação a Diego Moraes, parece que ele se isolou após as denúncias. Sendo tal
atitude a mais marginal de sua carreira. É o jovem de uma cidade do norte do
Brasil, que, ao adquirir prestígio, abandona tudo. Os medíocres ficam loucos
com isso, porque Moraes abre mão do que eles tanto sonham. Deixa para trás a
pose de cult, as FLIPs, a bajulação... e sai de cena como um bandido. É, de fato, expulso para as margens. Enquanto
os medíocres continuarão buscando legitimação em seus eventos masturbatórios,
sob o aval das secretarias, e boêmia clichê. Talvez possamos evocar o que disse
o personagem Lorde Henry, de O Retrato de
Dorian Gray: “[o poeta inferior] vive o poema que não consegue escrever”
(Wilde, 2016, p.68). De qualquer forma, a pavulagem dos poetas marginais de
Manaus só provoca tédio.
Referências
DUARTE, Maurício. Fome,
doença e prisão: escritor é acusado de enganar leitores por dinheiro. UOL,
2019. Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/08/05/fome-doenca-e-prisao-como-um-escritor-enganava-leitores-por-dinheiro.htm
SOUZA,
Cristiane Naiara Araújo de. Sirrose nas entrelinhas. Manaus: Edições
Muiraquitã, 2012.
WILDE, Oscar. O Retrato
de Dorian Gray. São Paulo: Martin Claret, 2016.
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