quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Manaus, poetas marginais e o caso Moraes. Por Mauricio Braga

Literatura

Manaus, poetas marginais e o caso Moraes
Por Mauricio Braga

Em Manaus, é comum encontrarmos os chamados poetas marginais, que diferem dos poetas regionalistas (ao estilo Celdo Braga). Se estes exploram o exótico, aqueles romantizam as mazelas urbanas.
Os poetas marginais, além de escreverem sobre temas marginais, procuram também se revestir de uma aura marginal.  Acabam, assim, virando personagens de si mesmos, relegando às suas obras um papel secundário. Aliás, suas obras geralmente servem apenas para mistificar suas personas. Tais poetas não perdem a oportunidade de exaltar um passado, real ou fictício, em que se envolveram com drogas, foram presos ou dormiram na sarjeta, como se dessa forma conseguissem legitimação. Saliento que aqui me refiro aos poetas marginais contemporâneos e manauaras. Em nenhum momento abordarei os poetas marginais dos anos 60, por exemplo, ou os de São Paulo. Ademais, trata-se de generalizações, pois o que nos interessa é a regra, não as exceções.
No início dos anos 2000, surgiu em Manaus a revista Sirrose, que reunia alguns escritores marginais, e cujo nome já anunciava a sua aspiração: “O nome sirrose foi adotado para deixar claro o caráter marginal, boêmio e corrosivo da revista” (Souza, 2012, p.15). No número de estreia, um dos colaboradores foi Diego Moraes – escritor que alcançou projeção nacional. Atualmente, entretanto, Moraes está envolvido em uma polêmica. Várias pessoas o acusam de realizar golpes. Ele, segundo as vítimas, recebeu dinheiro por livros que não entregou; pediu doações alegando estar com câncer, ou endividado com tráfico, ou preso; e descumpriu um contrato com a editora Record.   Descoberto os golpes, vários dos seus pares, isto é, poetas marginais, criticaram o escritor. As críticas, em tom moralista, evidenciam que os ditos poetas marginais não aceitam ações à margem da lei. A mensagem parece ser: é descolado ser marginal contanto que siga as normas. Logo, esses críticos não são marginais como se intitulam. Se fossem, reconheceriam o crime de Moraes como um gesto autentico da imagem que ele criou. Mas parece que, para os poetas marginais, a contravenção só é aceita se estiver em um passado distante na biografia do autor.
A verdadeira postura marginal, portanto, deve ser radical: À margem do mercado, à margem da legalidade, à margem das instituições. A questão não é fazer apologia ao crime, mas romper com os centros de poder, incluindo a lei. Se não for assim, o termo marginal é apenas “oba-oba”.
Os poetas que se fingem marginais, então, acumulam contradições. Eles, por exemplo, não rejeitam os espaços da oficialidade. Pelo contrário, defendem que é necessário ocupá-los. O que, por si só, já põe em xeque a marginalidade (se ocupa os centros não está na margem!). Ora, como carregar a alcunha de marginal participando de solenidades na academia de letras? Ou ocupando cargos e usufruindo editais da secretaria de cultura do Estado? Ou ainda se vangloriando por ter seu livro divulgado na mídia (o que só prova que é desprovido de rebeldia)? Não digo que essas atitudes sejam erradas, porém, não cabem a alguém que se define como marginal. Este deve ser coerente. Deve se recusar a compor com a institucionalidade, tratando-a com desprezo.
Em relação a Diego Moraes, parece que ele se isolou após as denúncias. Sendo tal atitude a mais marginal de sua carreira. É o jovem de uma cidade do norte do Brasil, que, ao adquirir prestígio, abandona tudo. Os medíocres ficam loucos com isso, porque Moraes abre mão do que eles tanto sonham. Deixa para trás a pose de cult, as FLIPs, a bajulação... e sai de cena como um bandido.  É, de fato, expulso para as margens. Enquanto os medíocres continuarão buscando legitimação em seus eventos masturbatórios, sob o aval das secretarias, e boêmia clichê. Talvez possamos evocar o que disse o personagem Lorde Henry, de O Retrato de Dorian Gray: “[o poeta inferior] vive o poema que não consegue escrever” (Wilde, 2016, p.68). De qualquer forma, a pavulagem dos poetas marginais de Manaus só provoca tédio.  

Referências
DUARTE, Maurício. Fome, doença e prisão: escritor é acusado de enganar leitores por dinheiro. UOL, 2019. Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/08/05/fome-doenca-e-prisao-como-um-escritor-enganava-leitores-por-dinheiro.htm

SOUZA, Cristiane Naiara Araújo de. Sirrose nas entrelinhas. Manaus: Edições Muiraquitã, 2012.

WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. São Paulo: Martin Claret, 2016.



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