terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Conto: IMPLOSÃO, de Mauricio Braga

conto



IMPLOSÃO*

Adamastor estava tendo um péssimo dia de trabalho. Péssimo como todos os dias de trabalho costumam ser. Ele operava a máquina a semana inteira sem se questionar se na verdade não era a máquina que o operava.  Na sua mente apenas repetia o mantra “hoje é sexta-feira”, como uma forma de adquirir motivação para continuar.

Até que após muito suor e tédio, chegou a hora da saída.

Adamastor saiu apressado em direção ao seu carro; mal podia esperar para chegar em casa, tomar uma cerveja, acessar o xvideos e se masturbar até cair no sono. Sendo assim, saiu veloz no seu carro velho, que não tinha ar-condicionado e soltava muita fumaça. 

Acelerava o máximo que podia e ultrapassava os sinais vermelhos sempre que possível. Contudo, ao chegar na avenida Djalma Batista, parou subitamente diante de um engarrafamento quilométrico. Nunca havia visto algo assim. Até as motos, que costumavam costurar o trânsito, não conseguiam passar. Adamastor olhou ao redor e constatou que estava ilhado. Com carros por todos os lados não podia virar à esquerda ou à direita, e nem ao menos sair de ré.

Dessa forma, passaram-se horas. O calor o sufocava. Foi quando sentiu uma coceira acima do tornozelo. Levantou a perna da calça até a altura do joelho e começou a coçar. Coçou sem parar. Suas unhas arrancaram a camada superficial da pele e cavaram cada vez mais. A segunda camada também não demorou a ser arrancada. A coceira se transformava em um misto de prazer e dor. Adamastor, no entanto, não refletia nem por um segundo sobre aquela estranha masturbação. 

As insaciáveis unhas alcançaram o músculo, fazendo com que escorresse sangue. A coceira continuou até que Adamastor finalmente sentiu o osso. Então resolveu parar com aquele movimento. Abaixou a perna da calça e fixou suas mãos no volante.

Após alguns minutos, uma ambulância se aproximou do terrível congestionamento. Suas sirenes gritavam em vão, pois não havia a menor possibilidade de abrirem passagem naquele inferno de veículos; mesmo assim berravam persistentemente com suas luzes vermelhas e azuis. O barulho entrava como um prego nos ouvidos de Adamastor.

Concluiu, enfim, que chegara ao seu limite.

Adamastor saiu do carro sem se importar em abandoná-lo. Passou com dificuldade entre os automóveis. Andou bastante; o congestionamento parecia não ter fim.

Após muito andar, chegou ao motivo do grande engarrafamento: a polícia havia isolado uma grande parte da avenida, porque alguém deixou uma mala na calçada. Isso mesmo, simplesmente porque alguém deixou uma mala na calçada!

Logo se especulou que a mala abandonada poderia conter uma bomba. Portanto acionaram as autoridades, que decidiram isolar a área em um raio de distância seguro. Há horas esperavam o esquadrão antibombas chegar. E, quando chegasse, levaria mais algumas horas para preparar o equipamento necessário para abrir a mala. 

Ninguém sabia se havia realmente uma bomba em seu interior. Enquanto não a abriam, poderia haver qualquer coisa lá dentro. Uma bomba, um cadáver, roupas sujas...tudo!

Adamastor poderia ter chegado em casa, mas havia uma mala no meio do caminho. No meio do caminho havia uma mala.

Mauricio Braga


*Conto publicado no terceiro volume da revista Bodozine, lançado em 04 de maio de 2018.


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