quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Os sonhadores e o espírito revolucionário de Maio de 68, por Matheus Cascaes

Resenha


Os sonhadores e o espírito revolucionário de Maio de 68*
por Matheus Cascaes


Na Paris de 1968, marcada pelas revoluções estudantis e operárias, Matthew, um estudante americano, está na França, frequentando as cinematecas. Num protesto contra o fechamento de uma cinemateca, conhece os gêmeos Isabelle e Theo. A paixão pelo cinema os aproxima. Convidado a jantar na casa deles, conhece os pais do casal, uma inglesa casada com um intelectual francês, e percebe um estranho relacionamento entre eles. Com a viagem dos pais, os irmãos convidam Matthew a passar um tempo na casa deles. O americano torna-se cada vez mais íntimo dos irmãos, compartilhando com eles jogos sexuais, políticos e cinematográficos.

É com esse enredo que Bernardo Bertolucci busca retratar, de algum modo, em Os sonhadores a geração francesa de estudantes que participou dos protestos de Maio de 68. Uma geração envolta pelos produtos da cultura de massas, inebriada por uma aura de liberação sexual, insurrecta contra toda forma de poder e faminta por mudança. Uma geração nascida no seio burguês, mas fortemente contrária aos ideais burgueses.

Para representar esse universo, as referências à cultura pop surgem aos montes no filme. Desde o rock’n’roll predominante na trilha sonora, passando pelos objetos que compõem o cenário, como a réplica de "A liberdade guiando o povo"(Delacroix) com uma colagem do rosto da atriz Marilyn Monroe sobre o rosto da mulher que representa alegoricamente a Liberdade no quadro, até os diversos fragmentos de filmes que surgem cada vez que os personagens os citam em seus jogos.

A ideia da liberação sexual, por sua vez, está muito presente não apenas nos jogos sexuais dos protagonistas, mas também no ambiente. A casa de Theo e Isabelle, lugar onde se passa praticamente toda a história, é como um labirinto que mantém uma tensão libidinosa constante. É sempre muito difícil de mapear os cômodos e, de alguma forma, eles quase sempre desembocam em algum quarto. Em meio a essa tensão, há uma alta dose de narcisismo. Isso toma forma nos muitos espelhos espalhados pela casa e na relação supostamente incestuosa entre os irmãos que se consideram metades de um mesmo ser.

E, nesse universo altamente narcísico, é possível se perguntar como um filme que retrata a geração ligada aos eventos de Maio de 68 pode acontecer dentro de uma casa. Talvez haja na história uma tentativa de responder como acontecimentos que tomaram proporções gigantescas tão logo que surgiram foram contidos com a mesma velocidade. Talvez a simbiose entre os personagens e o cinema explique um pouco disso. A relação contraditória entre as condições que possibilitam a existência do cinema e o seu papel enquanto arte na sociedade capitalista talvez fosse a mesma dos estudantes que tanto desejavam a revolução e se inquietavam com os intelectuais que apenas falavam e nada faziam pela mudança – vide a revolta de Theo com o pai, que, embora tenha escrito que “um poema é uma petição”, amava a vida burguesa que levava –, mas que talvez não tivessem a maturidade para saber se o que desejavam era o que de fato queriam e, por isso, não puderam levar sua iniciativa adiante.

Nesse sentido, o título Os sonhadores (The Dreamers) designa muito mais que um grupo de jovens com pensamentos utópicos e que vivem distante da realidade, como é possível sugerir. Tal título designa um grupo de jovens que vive na manifestação do desejo. Com esse filme político, Bertolucci busca captar o espírito da geração de Maio de 68 na França.





* Publicado originalmente como um panfleto na exibição do filme Os Sonhadores, em 26.10.2017,  no cinevídeo Cosme Alves Netto - UEA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário