Conto
Eu
Uma carta
Um poema
Um grito
Eu precisei me segurar firme na estante para não voltar ao chão. Cambaleei aos poucos antes de conseguir me sentir seguro e andar na direção da porta. A poeira era firme e estava impregnada em todo o meu paletó. Eu já nem tentava tirá-la de cima de mim, era um trabalho inútil, cobria tudo e todos. Respirava e inspirava com certa dificuldade. O barulho do silêncio é agudo e machuca os ouvidos. Queria eu saber o motivo da infestação, mas eu ignoro. Eu andava distraído depois de um dia de trabalho. Agora estou preso nessa casa de madeira.
Eu lembro esparsamente dos avisos nos muros, de alguém sussurrando de longe, em alguns jornais do centro da cidade. Mas eu ignoro. Não sei onde estão meus filhos, meus irmãos, minha mulher. Eles sim estavam preocupados com as coisas que eu ignoro. Diziam que estava vindo, eu gritava que não, estava tudo bem. Diziam que estava próximo, eu dizia que isso é relativo. Eles só pegavam mesmo quem estava preocupado. Relaxem, em quatro dias eles vão embora. Depois a gente volta a ir para a praia de novo nas férias. É só por enquanto.
Eu via o seu rosto de nojo quando eu deitava ao seu lado à noite. Depois passei a dormir sozinho, ela já não queria mais ficar perto de mim. Um dia, quando ela preparava o café da manhã, eu tentei abraça-la por trás e dizer que ainda a amava. Ela se distanciou e disse quase sussurrando:
a sua poeira fede a merda.
Com os meus filhos não foi diferente. Clarinha não me entendia de jeito nenhum. Até parou de falar comigo, depois que eu a alertei que aquele namoradinho dela não prestava, que eu tinha o visto na internet dizendo que a polícia é racista, que não se pode confiar. Estava cansado de tudo aquilo. Apesar disso, eu o questionei com respeito e o tratei com educação. Não sei mesmo porquê ele se exaltou. Quem não deve não teme. É o trabalho das pessoas. É preciso obedecer.
ele foi o primeiro a sumir
Com o Jean, eu ainda conseguia ter uma conversa. Futebol e mulher era o que a gente mais gostava de falar. Quer dizer, era como um monólogo. Praticamente só eu falava. Mas era divertido. Eu sei, eu sinto.
o Jean quando pego foi tratado como as mulheres.
*
No primeiro dia, eles levaram o meu salário.
No segundo dia, levaram os meus livros, que eram poucos.
No terceiro dia, levaram os que eu amava.
No quarto e último dia, me trancafiaram nessa jaula.
*
Trabalho incansavelmente e não tenho mais esperanças.
Bruno Oliveira
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