segunda-feira, 26 de agosto de 2019

A solidão do crítico, por Victor Leandro

Coluna Segunda Via
A solidão do crítico
Por Victor Leandro

Criticar é uma tarefa difícil. Por esse motivo, poucos são os que se atrevem a trafegar por seus caminhos. Por outro lado, muitos arrogam para si o termo crítica para definir o que fazem, o que não passa, em boa parte dos casos, de uma grande impostura. Depreciar não é crítica, opinar também não. Somente um exame profundo, radical e objetivo de um objeto pode corresponder ao conceito de crítica tal como foi elaborado. De resto, o que existe não é mais do que seu pálido preâmbulo ou vulgarização.

Em política, o termo se torna ainda mais específico, e remete inevitavelmente ao projeto teórico de Marx. Para se assumir como crítico, o investigador deve abster-se de considerar todo e qualquer princípio ideológico, bem como propor-se a contestar ao limite a ordem estabelecida, num autêntico movimento de criação destruidora. Disso decorre ser impossível haver crítica política de direita. Supersticiosa e reacionária, ela sempre parte de pressupostos que inibem de maneira peremptória as movimentações do pensamento, de modo que se torna inviável fazer com que a realidade se esclareça por completo, gerando no máximo alguns esboços de análise.

Contudo, mesmo partindo de princípios adequados, nem sempre se chega à crítica, o que quer dizer que, mesmo à esquerda, é possível que não haja crítica verdadeira, posto esta só existir mediante sua radicalidade. Não raro, em abordagens de situações concretas, muitos esbarram em obstáculos subjetivos - paixões, gostos, interesses particulares, afinidades eletivas - e acabam por ficar a meio caminho, optando por aquilo que chamam bom senso e consensualidade, mal percebendo que, com esse gesto de pretensa benevolência, o real lhes escapa na sua inteireza, tornando suas observações improdutivas e impedindo a marcha para a transformação real. Um pacto de mediocridade a favor da inércia.

Mas claro, dizem eles, é preciso ceder. Não se pode conduzir tudo a ferro e fogo. A política é negociação, e isso vale também para seu terreno epistêmico. Antes perder uma ideia que os bons amigos.

Enquanto isso, o crítico segue sozinho. Cercado de olhares hostis, ele lança suas palavras para o porvir, na completa incerteza de que alcançarão quaisquer ouvidos. Porém, isso tanto se lhe dá. O que lhe importa é que o real encontra-se revelado, e a verdade foi colocada no campo do possível. Eis, aí, a recompensa mais do que suficiente para aqueles que genuinamente se arvoram a pensar sem concessões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário