quinta-feira, 1 de agosto de 2019


RESENHA

Ditadura e democracia no Brasil[1], de Daniel Aarão Reis

Por Bruno Ricardo Santos de Oliveira.

Daniel Aarão [2] nasceu em 26 de janeiro de 1946, na cidade do Rio de Janeiro. Desde cedo esteve envolvido no meio político ora como vice-presidente estudantil ora como participante do PCdoB, ou mesmo dentro de grupos de esquerda como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que comandou o sequestro do então embaixador dos Estados Unidos da América no Brasil, Charles Burke Elbrick, em 1969. Graduado e Mestre em História na Universidade de Paris VII e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. É hoje professor titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense[3].
            Autor de obras conhecidas sobre a esquerda no Brasil como, por exemplo, A Revolução Faltou ao Encontro (1990) e Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades (2000), Daniel Aarão Reis lança em 2014, pela editora Zahar, o livro Ditadura e Democracia no Brasil: Do golpe de 1964 à Constituição de 1988.
            Em Ditadura e Democracia, Daniel Aarão busca compreender através de sete capítulos as raízes, as bases e os fundamentos históricos, além de explanar o legado, da ditadura civil-militar. O autor expõe também o contexto internacional, os conflitos dentro sociedade brasileira e o papel desempenhado pela esquerda.
            No capítulo um, o autor explana sobre as memórias que todos aceitaram sobre a ditadura: a de que esse período foi marcado por trevas em que a sociedade lutou unida e contra um mal comum (veremos que não foi verdade). No capítulo dois, é exposto as gêneses da ditadura, o que a fomentou, quem a apoiou e como se deu o golpe. A partir do capítulo três que se começa a falar especificamente sobre os presidentes-ditadores. Inicialmente é exposto o governo Castelo Branco e sua busca por uma identidade: democracia ou ditadura? Logo em seguida, é exposto o governo Costa e Silva, e de como este tomou num golpe dentro do golpe o Estado brasileiro. No capítulo quatro, é exposto o governo de Médice e o retorno ao nacional-estatismo (política de estado desenvolvida numa outra ditadura: o Estado Novo), além de apresentar os êxitos desse período e o enfrentamento dos programas revolucionários de esquerda.  No quinto capitulo, o trabalho se volta para o governo Geisel e os planos de institucionalização do regime, é explicado o que foi o projeto distensão, o desmantelamento das esquerdas e o ressurgimento de oposições democráticas. O capítulo seis, é apresentado o governo de João Baptista Figueiredo e como se foi distinguindo da ditadura, período que o autor chama de “transição democrática”, que vai de 1979 a 1988. O sétimo capítulo, nos é exposto a construção da constituição e o início da democracia.
            Um golpe aconteceria na década de 1960, de um lado ou de outro. Quem fosse mais ardiloso venceria. E venceu uma voz. A voz que durou 15 anos.
            Jânio Quadros, presidente, e João Goulart (o Jango), vice-presidente venceram a eleição de 1961. Jânio possuía um discurso do novo, um discurso de combate a corrupção, um discurso que agradava, mas que já no seu primeiro ano de governo conseguiu desagradar a todos, desde o setor industrial, aos conservadores, os movimentos sociais de esquerda e os trabalhadores. Isolado politicamente, pois praticava um diálogo direto com a sociedade, e atacado por todos os lados, Jânio resolveu em agosto do mesmo ano de sua posse renunciar ao cargo. O congresso aceita seu pedido.
            E é aqui que começa o período mais quente da nossa república.
            O país fica sem presidente até o retorno de Jango da China comunista. Nesse período as forças armadas iniciam um golpe, pois para eles Goulart traria instabilidade e caos ao país caso assumisse. Brizola monta uma resistência junto ao III Exército com o discurso da defesa da ordem legal, frustrando assim planos das forças armadas. São essas forças que surgem a partir da resistência de Leonel Brizola que aos poucos se tornarão a esquerda armada um tempo depois. Jango toma posse não mais num sistema presidencial, mas parlamentarista. Não por muito tempo, pois em 1963, Jango após um plebiscito retoma seus poderes presidenciais.
            Com Jango presidente é retomada um projeto, o nacional-estatismo, iniciado com Getúlio Vargas, e um tanto quanto esquecida nos governos de J.K. e de Jânio Quadros, em outra ditadura, a do Estado Novo. Nacional porque se buscava uma autonomia de um povo como identidade única; estatal por considerar o estado o melhor instrumento para articular essa vontade. E Jango poderia facilmente ativar esse projeto, pois havia respaldo internacional (revolução cubana, argelina e egípcia praticavam o nacional-estatismo com uma guinada para o socialismo) e nacional (manifestações e greves de trabalhadores, estudantes, graduados da força armada). É dentro desse período que se toma corpo as reformas de base. Jango possuía amplo apoio dos reformistas para colocar suas ideias em prática, através do plano trienal.
            Entretanto, as reformas de base de Jango possuíam diversos críticos: elites tradicionais reacionárias, grupos empresariais e modernos, além da classe média, ou seja, todos aqueles que poderiam perder privilégios. Seu plano trienal, porém, também não deu certo. Desagradou a todos. O governo atolou. Jango governou cego um país em ebulição. A sociedade dividira-se. De um lado os reformistas; do outro os contra reformistas. O primeiro grupo atiçava Jango a tomar as rédeas com mais força do país e até se falava em pegar em armas. O segundo grupo começou a defender a ordem legal. “Uma notável inversão de tendências” (pág. 38).  Jango então parte para a ofensiva encabeçando comícios em prol das reformas, no dia 13 de março de 1964. A resposta do outro grupo não demorou e em 19 do mesmo mês, aconteceu a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
            É com esse apoio civil que as forças armadas golpeiam Jango, em 1 de abril de 1964.
            O governo do general Castelo Branco vai de 1964 a 1967. Castelo chega através do golpe civil-militar que foi legitimado por um discurso da defesa da democracia, da família, do direito, da lei e da Constituição.  Havia dois grupos dentro dos apoiadores do golpe: uns moderados e outros mais conservadores. Os moderados pensavam que aquilo deveria ser cirúrgico: as forças armadas deveriam dar o golpe, entregar o poder aos civis e rumar aos quartéis. Muitas lideranças civis estão nesse grupo como, por exemplo, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, além da impressa maior como O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil e Correio da Manhã. Havia outro grupo mais bem organizado que o primeiro: o famoso “linha dura”. Este grupo preconizava a permanência das forças armadas por tempo indeterminado.
            O novo governo tinha um programa: o internacional-liberalismo, que ia de encontro ao que se pregava no Brasil desde o Estado Novo.  Tal linha de pensamento só iria ter uma plataforma efetiva e eficiente vinte anos depois com os governos dos Fernandos.
 O internacional-liberalismo, no Brasil, defendido pelo governo, não ia nada bem, o que causou uma onda de descontentamento geral, “não apenas entre os derrotados, mas também em setores expressivos da grande frente que apoiara o golpe” (pág. 58). Surge com muito mais ênfase, a partir daqueles grupos reformistas, um movimento crítico, encabeçadas pelos intelectuais de esquerda, respaldados pelo desenvolvimento da Teoria do Impasse (ideia de que o governo não tinha condições históricas de oferecer alternativas ao país, mesmo dentro do sistema capitalista), articulado também ao pensamento revolucionário, este influenciado diretamente pelo exemplo cubano. Entretanto, um ponto relevante e que não foi avaliado pelas organizações revolucionárias é a de que as oposições ao governo, tanto politicas quanto sindicais, possuía uma postura moderada, em que se evitava assumir programas radicais.
É dentro do governo Castelo Branco que se aplica dois atos institucionais, o segundo e o terceiro ato (o primeiro é de 9 de abril de 1964, e foi editado pelo Comando Supremo da Revolução, que diz que a revolução legitimava os demais poderes existentes, além de limitar-se a si mesma). É em 1965, Castelo Branco edita o segundo ato, em respostas às derrotas eleitorais para os governos de Minas, restaurando a dinâmica de exceção, em que dissolve os partidos existentes adotando o bipartidarismo; justificando milhares de cassações, etc., e logo em seguida o terceiro ato, que seria “extinção de eleições para prefeitos das capitais, a serem designadas pelos governadores, após a anuência das respectivas assembleis legislativas” (pág. 62).
Justamente por esses motivos, se acreditava, dentro da esquerda, no fracasso da ditadura, porém, “o governo continuava capaz de mobilizar em torno de seus propósitos significativas parcela das lideranças civis nos meios empresariais, políticos e religiosos” (pág. 62). E seguidamente, Castelo Branco produz diversas ações para que a ditadura se institucionalize.
Em 1967, assume Costa e Silva, que diz que “a meta do meu governo é o homem” (pág. 66). Uma crítica clara ao governo anterior. “Ele governaria numa outra atmosfera, sem a sombra de Atos Institucionais. (...) vinha com promessas de reconciliação democrática e desenvolvimento econômico” (pág. 66) mesmo mantendo compromissos com a linha dura. É nesse momento que o país começa a registrar um desenvolvimento econômico crescente, o que não impede o cessar fogo dos oposicionistas ao regime.
 Homens que antes chegaram a apoiar o golpe agora estão do lado oposto.  Podemos dividir em três os grupos que se colocaram contra ao regime: os moderados (MBD, Frente Ampla, Setores Eclesiásticos, Liberais); movimento dos estudantes, de caráter sindical; e as organizações revolucionárias clandestinas. O que podemos perceber é que essa oposição não era coesa, e muito menos homogênea e harmonizada.
Contra todas essas oposições, já que dentro da situação se percebia que aquela onda oposicionista podia se organizar e oferecer perigo efetivo a então ordem, Costa e Silva se viu obrigado a jogar pesado, e fez isso através do Ato Institucional N°5. O presidente-ditador fechou o parlamento, atribuiu a si muitos poderes, reiterou o estado de exceção. Houve aqui um golpe dentro do golpe. A ditadura, por fim, estava sem disfarces, escancarada para qualquer um ver.  
Entre 1969 a 1973, desdobraram-se, muito mais efetivamente, as ações de guerrilhas urbanas, muito por causa desse escancarar da ditadura. Entre 69 a 72, houve, por partes dessas guerrilhas, “expropriações de armas e fundos, ataques de surpresa a quartéis ou postos policiais, propaganda armada, etc.” (pág. 74). Entretanto, a mais significativa ocorreu com a captura do embaixador estadunidense, Charles Burke Elbrick, com o intuito de libertar diversos líderes da esquerda revolucionária no país. Entretanto, mesmo que essas ações tenham alcançado seus objetivos imediatos, a longo prazo produziram diversos problemas, como a sua própria destruição nas cidades, ainda em 1973.
Não havia simpatia, naquela guerra travada entre guerrilheiros e a polícia do Estado, por uma parcela grande da população, muito porque não a compreendiam e por isso não se moviam para participação direta. A população também não simpatizava com os métodos brutais dos torturadores, mas aprenderam a conviver com tal situação. O que restou aos guerrilheiros foi serem “escorraçados da história” (pág. 78).
Em 1970, Garrastazu Médice foi “eleito presidente”. E foi sob a égide do terror do AI-5, que a sociedade brasileira manteve relações complexas com a ditadura, ao mesmo tempo que o capitalismo brasileiro ascendia no famoso “milagre econômico”. 
O governo retoma o que de início criticou: o nacional-estatismo. E justamente nessa tradição, iniciada com Getúlio, em que o Estado incentiva, regula, financia e protege os mais variadores setores econômicos, que ocorre a crescente no país. Dentre os sucessos do governo se situam o Programa de integração social, Funrural, Crescimentos dos sindicatos urbanos e rurais, e alguns outros avanços. E assim, uma parcela significativa da população, principalmente as mais abastadas, se beneficiaram desse período, mesmo que a popularidade do governo internacionalmente estivesse abalada, muito por causa das denúncias de tortura como instrumento de estado; e nacionalmente, porque a desigualdade social no Brasil se intensificava.
Em 1974 assume o general Ernesto Geisel. O governo, dentro da economia, soterrou de vez o internacional-liberalismo, através de um pacote de planos já iniciados com Médice, afirmando o caráter nacional-estatista, a fim de gerar crescimento, mesmo que a conjuntura internacional não fosse nada boa, muito por causa do choque do petróleo. No que diz respeito a política externa, mesmo que houvesse críticas por parte dos E.U.A. exigindo do Brasil explicações sobre as acusações de tortura como método de estado, o país ganhou ares de autonomia ao estabelecer relações com a china comunista e assinando acordos nucleares com a Alemanha. E mesmo que Geisel esteja situado no grupo Castelista, aquele se distanciava de tudo que este preconizava.
No que se refere a política interna, Geisel ficou incumbido de colocar em prática um processo chamado de distensão, no qual tem como função a saída do regime autoritário através de um processo lento, seguro e gradativo para o estado da democracia. É interessante que havia resistências dentro do próprio sistema em relação a distensão. Essa resistência vinha principalmente dos aparelhos de repressão que percebiam que poderiam ficar desprotegidos caso o projeto funcionasse.
Em 1977, Geisel edita, sobre a proteção armada do AI-5, o chamado Pacote de Abril, que visava institucionalizar a ditatura. Esse pacote viria ser chamado no período da transição democrática de “entulho autoritário”. Já no fim de seu mandato, Geisel tem de enfrentar manifestações sociais e greves operárias, muito porque foi descoberta uma má-fé governamental: havia uma defasagem, exposta pelo Banco Mundial, em relação a inflação registrada ainda em 1973, o que incendia diretamente nos reajustes salariais dos trabalhadores. E assim as “lideranças sindicais começaram a se manifestar publicamente pela ‘reposição’” (pág. 120). A partir desse momento gerou nas massas um despertar para a situação em que se encontravam. Uma dessas lideranças, Luiz Inácio da Silva, disse que a situação só voltaria ao normal depois que os patrões, governo, etc. quando a voz do povo fosse ouvida.
O Brasil, enfim, chega em 1979, com a posse de João Baptista Figueiredo, e atinge o que Daniel Aarão irá chamar de transição democrática, “período que se inicia com a revogação das leis de exceção, os atos institucionais e termina com a aprovação de uma nova constituição” (pág. 125). Esse período, no Brasil, por incrível que pareça, o restabelecimento do estado de direito não coincidiu com a instauração de uma constituição democrática, ou seja, o país já não era mais uma ditatura, mas também não era uma democracia, já que João já não governa com poderes ditatórias. A esse governo fica como objetivo os projetos da Anistia e o da reforma partidária, em que, respectivamente, será possível o retorno dos exiladas, a libertação dos presos políticos, como também a criação de novos partidos, o que abriu portas para uma miríade de pessoas até então caladas a possibilidade de fazer política novamente. Toda essa abertura possibilitou o surgimento do maior movimento político da história da República no século XX: a campanha das Diretas Já; o que culminará na Constituição de 1988 e restauração da democracia.
Desde 1986 é pensada através de uma constituinte a constituição brasileira, que possuía diversos avanços sociais, mas apresentava pontos ainda de influência do período da ditadura como, por exemplo, a existência da tutela dos militares para a manutenção e ordem do país. Demostrando assim a influência direta e indireta que a ditadura exerce no país.
 O livro, e o nosso texto, tenta demostrar de maneira sucinta, e que se apresenta muitas vezes insuficiente, a complexidade histórica que foi a ditadura civil-militar no Brasil, que gerou e continua gerando soluções e problemas para este país extremamente desigual num mundo infinitamente desigual. Desde a saída dos militares do poder, pós-Figueiredo, o Brasil teve cinco presidentes, o primeiro quase um novo Jânio Quadros com tendências ditatoriais, um sociólogo refinado, um metalúrgico, uma mulher, um golpista, e por fim, agora, nesse exato momento, um retorno de um representante do militarismo que fazia sua existência dentro dos porões da ditadura. É impossível fugir do passado sem olhá-lo criticamente a fim de se progredir. Enquanto não olharmos a nossa história e encararmos com agudeza crítica e analítica, não conseguiremos nos liberta. Para se liberta do obscurantismo precisamos encarar a nossa história.
Por fim, podemos dizer que o livro Ditatura e Democracia no Brasil, de Daniel Aarão Reis, é um excelente suporte para se começar a conhecer um pouco melhor sobre o período que, a nosso ver, mais influenciou o Brasil a ser o que é. Recomendamos.  







[1] REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil. Do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro; ZAHAR, 2014.

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