RESENHA
Ditadura e democracia no Brasil[1], de Daniel Aarão Reis
Por Bruno
Ricardo Santos de Oliveira.
Daniel
Aarão [2] nasceu em 26 de janeiro de
1946, na cidade do Rio de Janeiro. Desde cedo esteve envolvido no meio político
ora como vice-presidente estudantil ora como participante do PCdoB, ou mesmo
dentro de grupos de esquerda como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que
comandou o sequestro do então embaixador dos Estados Unidos da América no
Brasil, Charles Burke Elbrick, em 1969. Graduado e Mestre em História na
Universidade de Paris VII e doutor em História Social pela Universidade de São
Paulo. É hoje professor titular de História Contemporânea da Universidade
Federal Fluminense[3].
Autor de obras conhecidas sobre a
esquerda no Brasil como, por exemplo, A
Revolução Faltou ao Encontro (1990) e Ditadura
Militar, Esquerdas e Sociedades (2000), Daniel Aarão Reis lança em 2014,
pela editora Zahar, o livro Ditadura e
Democracia no Brasil: Do golpe de 1964 à Constituição de 1988.
Em Ditadura e Democracia, Daniel Aarão busca compreender através de
sete capítulos as raízes, as bases e os fundamentos históricos, além de
explanar o legado, da ditadura civil-militar.
O autor expõe também o contexto internacional, os conflitos dentro sociedade
brasileira e o papel desempenhado pela esquerda.
No capítulo um, o autor explana
sobre as memórias que todos aceitaram sobre a ditadura: a de que esse período
foi marcado por trevas em que a sociedade lutou unida e contra um mal comum
(veremos que não foi verdade). No capítulo dois, é exposto as gêneses da
ditadura, o que a fomentou, quem a apoiou e como se deu o golpe. A partir do
capítulo três que se começa a falar especificamente sobre os presidentes-ditadores.
Inicialmente é exposto o governo Castelo Branco e sua busca por uma identidade:
democracia ou ditadura? Logo em seguida, é exposto o governo Costa e Silva, e
de como este tomou num golpe dentro do golpe o Estado brasileiro. No capítulo
quatro, é exposto o governo de Médice e o retorno ao nacional-estatismo
(política de estado desenvolvida numa outra ditadura: o Estado Novo), além de
apresentar os êxitos desse período e o enfrentamento dos programas
revolucionários de esquerda. No quinto
capitulo, o trabalho se volta para o governo Geisel e os planos de
institucionalização do regime, é explicado o que foi o projeto distensão, o desmantelamento das
esquerdas e o ressurgimento de oposições democráticas. O capítulo seis, é
apresentado o governo de João Baptista Figueiredo e como se foi distinguindo da
ditadura, período que o autor chama de “transição democrática”, que vai de 1979
a 1988. O sétimo capítulo, nos é exposto a construção da constituição e o
início da democracia.
Um golpe aconteceria na década de
1960, de um lado ou de outro. Quem fosse mais ardiloso venceria. E venceu uma
voz. A voz que durou 15 anos.
Jânio Quadros, presidente, e João
Goulart (o Jango), vice-presidente venceram a eleição de 1961. Jânio possuía um
discurso do novo, um discurso de combate a corrupção, um discurso que agradava,
mas que já no seu primeiro ano de governo conseguiu desagradar a todos, desde o
setor industrial, aos conservadores, os movimentos sociais de esquerda e os
trabalhadores. Isolado politicamente, pois praticava um diálogo direto com a
sociedade, e atacado por todos os lados, Jânio resolveu em agosto do mesmo ano
de sua posse renunciar ao cargo. O congresso aceita seu pedido.
E é aqui que começa o período mais
quente da nossa república.
O país fica sem presidente até o
retorno de Jango da China comunista. Nesse período as forças armadas iniciam um
golpe, pois para eles Goulart traria instabilidade e caos ao país caso
assumisse. Brizola monta uma resistência junto ao III Exército com o discurso
da defesa da ordem legal, frustrando
assim planos das forças armadas. São essas forças que surgem a partir da
resistência de Leonel Brizola que aos poucos se tornarão a esquerda armada um
tempo depois. Jango toma posse não mais num sistema presidencial, mas
parlamentarista. Não por muito tempo, pois em 1963, Jango após um plebiscito
retoma seus poderes presidenciais.
Com Jango presidente é retomada um
projeto, o nacional-estatismo, iniciado com Getúlio Vargas, e um tanto quanto
esquecida nos governos de J.K. e de Jânio Quadros, em outra ditadura, a do
Estado Novo. Nacional porque se buscava uma autonomia de um povo como
identidade única; estatal por considerar o estado o melhor instrumento para
articular essa vontade. E Jango poderia facilmente ativar esse projeto, pois
havia respaldo internacional (revolução cubana, argelina e egípcia praticavam o
nacional-estatismo com uma guinada para o socialismo) e nacional (manifestações
e greves de trabalhadores, estudantes, graduados da força armada). É dentro desse
período que se toma corpo as reformas de base. Jango possuía amplo apoio dos
reformistas para colocar suas ideias em prática, através do plano trienal.
Entretanto, as reformas de base de
Jango possuíam diversos críticos: elites tradicionais reacionárias, grupos
empresariais e modernos, além da classe média, ou seja, todos aqueles que
poderiam perder privilégios. Seu plano trienal, porém, também não deu certo.
Desagradou a todos. O governo atolou. Jango governou cego um país em ebulição.
A sociedade dividira-se. De um lado os reformistas; do outro os contra
reformistas. O primeiro grupo atiçava Jango a tomar as rédeas com mais força do
país e até se falava em pegar em armas. O segundo grupo começou a defender a
ordem legal. “Uma notável inversão de tendências” (pág. 38). Jango então parte para a ofensiva encabeçando
comícios em prol das reformas, no dia 13 de março de 1964. A resposta do outro
grupo não demorou e em 19 do mesmo mês, aconteceu a primeira Marcha da Família
com Deus pela Liberdade.
É com esse apoio civil que as forças
armadas golpeiam Jango, em 1 de abril de 1964.
O governo do general Castelo Branco
vai de 1964 a 1967. Castelo chega através do golpe civil-militar que foi
legitimado por um discurso da defesa da democracia, da família, do direito, da
lei e da Constituição. Havia dois grupos
dentro dos apoiadores do golpe: uns moderados e outros mais conservadores. Os
moderados pensavam que aquilo deveria ser cirúrgico: as forças armadas deveriam
dar o golpe, entregar o poder aos civis e rumar aos quartéis. Muitas lideranças
civis estão nesse grupo como, por exemplo, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto,
além da impressa maior como O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil e Correio
da Manhã. Havia outro grupo mais bem organizado que o primeiro: o famoso “linha
dura”. Este grupo preconizava a permanência das forças armadas por tempo
indeterminado.
O novo governo tinha um programa: o
internacional-liberalismo, que ia de encontro ao que se pregava no Brasil desde
o Estado Novo. Tal linha de pensamento
só iria ter uma plataforma efetiva e eficiente vinte anos depois com os
governos dos Fernandos.
O internacional-liberalismo, no Brasil,
defendido pelo governo, não ia nada bem, o que causou uma onda de
descontentamento geral, “não apenas entre os derrotados, mas também em setores
expressivos da grande frente que apoiara o golpe” (pág. 58). Surge com muito
mais ênfase, a partir daqueles grupos reformistas, um movimento crítico, encabeçadas
pelos intelectuais de esquerda, respaldados pelo desenvolvimento da Teoria do
Impasse (ideia de que o governo não tinha condições históricas de oferecer
alternativas ao país, mesmo dentro do sistema capitalista), articulado também
ao pensamento revolucionário, este influenciado diretamente pelo exemplo
cubano. Entretanto, um ponto relevante e que não foi avaliado pelas
organizações revolucionárias é a de que as oposições ao governo, tanto
politicas quanto sindicais, possuía uma postura moderada, em que se evitava
assumir programas radicais.
É
dentro do governo Castelo Branco que se aplica dois atos institucionais, o
segundo e o terceiro ato (o primeiro é de 9 de abril de 1964, e foi editado pelo
Comando Supremo da Revolução, que diz que a revolução legitimava os demais
poderes existentes, além de limitar-se a si mesma). É em 1965, Castelo Branco
edita o segundo ato, em respostas às derrotas eleitorais para os governos de
Minas, restaurando a dinâmica de exceção, em que dissolve os partidos existentes
adotando o bipartidarismo; justificando milhares de cassações, etc., e logo em
seguida o terceiro ato, que seria “extinção de eleições para prefeitos das
capitais, a serem designadas pelos governadores, após a anuência das
respectivas assembleis legislativas” (pág. 62).
Justamente
por esses motivos, se acreditava, dentro da esquerda, no fracasso da ditadura,
porém, “o governo continuava capaz de mobilizar em torno de seus propósitos
significativas parcela das lideranças civis nos meios empresariais, políticos e
religiosos” (pág. 62). E seguidamente, Castelo Branco produz diversas ações
para que a ditadura se institucionalize.
Em
1967, assume Costa e Silva, que diz que “a meta do meu governo é o homem” (pág.
66). Uma crítica clara ao governo anterior. “Ele governaria numa outra
atmosfera, sem a sombra de Atos Institucionais. (...) vinha com promessas de
reconciliação democrática e desenvolvimento econômico” (pág. 66) mesmo mantendo
compromissos com a linha dura. É nesse momento que o país começa a registrar um
desenvolvimento econômico crescente, o que não impede o cessar fogo dos
oposicionistas ao regime.
Homens que antes chegaram a apoiar o golpe
agora estão do lado oposto. Podemos
dividir em três os grupos que se colocaram contra ao regime: os moderados (MBD,
Frente Ampla, Setores Eclesiásticos, Liberais); movimento dos estudantes, de
caráter sindical; e as organizações revolucionárias clandestinas. O que podemos
perceber é que essa oposição não era coesa, e muito menos homogênea e
harmonizada.
Contra
todas essas oposições, já que dentro da situação se percebia que aquela onda
oposicionista podia se organizar e oferecer perigo efetivo a então ordem, Costa
e Silva se viu obrigado a jogar pesado, e fez isso através do Ato Institucional
N°5. O presidente-ditador fechou o parlamento, atribuiu a si muitos poderes,
reiterou o estado de exceção. Houve aqui um golpe dentro do golpe. A ditadura,
por fim, estava sem disfarces, escancarada
para qualquer um ver.
Entre
1969 a 1973, desdobraram-se, muito mais efetivamente, as ações de guerrilhas
urbanas, muito por causa desse escancarar da ditadura. Entre 69 a 72, houve,
por partes dessas guerrilhas, “expropriações de armas e fundos, ataques de
surpresa a quartéis ou postos policiais, propaganda armada, etc.” (pág. 74).
Entretanto, a mais significativa ocorreu com a captura do embaixador
estadunidense, Charles Burke Elbrick, com o intuito de libertar diversos
líderes da esquerda revolucionária no país. Entretanto, mesmo que essas ações
tenham alcançado seus objetivos imediatos, a longo prazo produziram diversos
problemas, como a sua própria destruição nas cidades, ainda em 1973.
Não
havia simpatia, naquela guerra travada entre guerrilheiros e a polícia do
Estado, por uma parcela grande da população, muito porque não a compreendiam e
por isso não se moviam para participação direta. A população também não
simpatizava com os métodos brutais dos torturadores, mas aprenderam a conviver
com tal situação. O que restou aos guerrilheiros foi serem “escorraçados da
história” (pág. 78).
Em
1970, Garrastazu Médice foi “eleito presidente”. E foi sob a égide do terror do
AI-5, que a sociedade brasileira manteve relações complexas com a ditadura, ao
mesmo tempo que o capitalismo brasileiro ascendia no famoso “milagre
econômico”.
O
governo retoma o que de início criticou: o nacional-estatismo. E justamente
nessa tradição, iniciada com Getúlio, em que o Estado incentiva, regula,
financia e protege os mais variadores setores econômicos, que ocorre a
crescente no país. Dentre os sucessos do governo se situam o Programa de
integração social, Funrural, Crescimentos dos sindicatos urbanos e rurais, e
alguns outros avanços. E assim, uma parcela significativa da população,
principalmente as mais abastadas, se beneficiaram desse período, mesmo que a
popularidade do governo internacionalmente estivesse abalada, muito por causa
das denúncias de tortura como instrumento de estado; e nacionalmente, porque a
desigualdade social no Brasil se intensificava.
Em
1974 assume o general Ernesto Geisel. O governo, dentro da economia, soterrou
de vez o internacional-liberalismo, através de um pacote de planos já iniciados
com Médice, afirmando o caráter nacional-estatista, a fim de gerar crescimento,
mesmo que a conjuntura internacional não fosse nada boa, muito por causa do
choque do petróleo. No que diz respeito a política externa, mesmo que houvesse
críticas por parte dos E.U.A. exigindo do Brasil explicações sobre as acusações
de tortura como método de estado, o país ganhou ares de autonomia ao estabelecer
relações com a china comunista e assinando acordos nucleares com a Alemanha. E
mesmo que Geisel esteja situado no grupo Castelista, aquele se distanciava de
tudo que este preconizava.
No
que se refere a política interna, Geisel ficou incumbido de colocar em prática
um processo chamado de distensão, no
qual tem como função a saída do regime autoritário através de um processo
lento, seguro e gradativo para o estado da democracia. É interessante que havia
resistências dentro do próprio sistema em relação a distensão. Essa resistência
vinha principalmente dos aparelhos de repressão que percebiam que poderiam
ficar desprotegidos caso o projeto funcionasse.
Em
1977, Geisel edita, sobre a proteção armada do AI-5, o chamado Pacote de Abril,
que visava institucionalizar a ditatura. Esse pacote viria ser chamado no
período da transição democrática de “entulho autoritário”. Já no fim de seu
mandato, Geisel tem de enfrentar manifestações sociais e greves operárias,
muito porque foi descoberta uma má-fé governamental: havia uma defasagem,
exposta pelo Banco Mundial, em relação a inflação registrada ainda em 1973, o
que incendia diretamente nos reajustes salariais dos trabalhadores. E assim as
“lideranças sindicais começaram a se manifestar publicamente pela ‘reposição’”
(pág. 120). A partir desse momento gerou nas massas um despertar para a
situação em que se encontravam. Uma dessas lideranças, Luiz Inácio da Silva,
disse que a situação só voltaria ao normal depois que os patrões, governo, etc.
quando a voz do povo fosse ouvida.
O
Brasil, enfim, chega em 1979, com a posse de João Baptista Figueiredo, e atinge
o que Daniel Aarão irá chamar de transição democrática, “período que se inicia
com a revogação das leis de exceção, os atos institucionais e termina com a
aprovação de uma nova constituição” (pág. 125). Esse período, no Brasil, por
incrível que pareça, o restabelecimento do estado de direito não coincidiu com
a instauração de uma constituição democrática, ou seja, o país já não era mais
uma ditatura, mas também não era uma democracia, já que João já não governa com
poderes ditatórias. A esse governo fica como objetivo os projetos da Anistia e
o da reforma partidária, em que, respectivamente, será possível o retorno dos
exiladas, a libertação dos presos políticos, como também a criação de novos
partidos, o que abriu portas para uma miríade de pessoas até então caladas a
possibilidade de fazer política novamente. Toda essa abertura possibilitou o
surgimento do maior movimento político da história da República no século XX: a
campanha das Diretas Já; o que culminará na Constituição de 1988 e restauração
da democracia.
Desde
1986 é pensada através de uma constituinte a constituição brasileira, que
possuía diversos avanços sociais, mas apresentava pontos ainda de influência do
período da ditadura como, por exemplo, a existência da tutela dos militares
para a manutenção e ordem do país. Demostrando assim a influência direta e
indireta que a ditadura exerce no país.
O livro, e o nosso texto, tenta demostrar de
maneira sucinta, e que se apresenta muitas vezes insuficiente, a complexidade
histórica que foi a ditadura civil-militar no Brasil, que gerou e continua
gerando soluções e problemas para este país extremamente desigual num mundo
infinitamente desigual. Desde a saída dos militares do poder, pós-Figueiredo, o
Brasil teve cinco presidentes, o primeiro quase um novo Jânio Quadros com
tendências ditatoriais, um sociólogo refinado, um metalúrgico, uma mulher, um
golpista, e por fim, agora, nesse exato momento, um retorno de um representante
do militarismo que fazia sua existência dentro dos porões da ditadura. É
impossível fugir do passado sem olhá-lo criticamente a fim de se progredir.
Enquanto não olharmos a nossa história e encararmos com agudeza crítica e
analítica, não conseguiremos nos liberta. Para se liberta do obscurantismo
precisamos encarar a nossa história.
Por
fim, podemos dizer que o livro Ditatura e Democracia no Brasil, de Daniel Aarão
Reis, é um excelente suporte para se começar a conhecer um pouco melhor sobre o
período que, a nosso ver, mais influenciou o Brasil a ser o que é.
Recomendamos.
[1]
REIS,
Daniel Aarão. Ditadura e democracia no
Brasil. Do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro; ZAHAR,
2014.
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