Poesia
POEMAS
ANTES DE MARX
I
Eu imagino o tempo como um
sopro que me atinge do cabelo até a cabeça do dedo do pé. O sopro é uma brisa
leve, mas não fraca, tem o poder de bomba atômica destruindo e amolecendo o meu
eu. Sinto seu choque quando me olho no espelho. Primeira vez que o percebi foi
quando dessas suas explosões destruiu todos os meus dentes de leite; a segunda
vez aconteceu quando fez buracos no meu rosto. Eventualmente eu ainda o
percebo, mas a vida corre e assim me previno, ou finjo que me protejo. O tempo
já me angustiou mais, hoje só me deixa perplexo. Angustiava porque não queria
aceitar o fato de que acabo; hoje eu acho bonita essa ideia. Ter essa pequena
possibilidade de usufruir do espaço/tempo é, sim, bonito. A grande questão é: o
que fazer nesse espaço de tempo? Gosto da ideia de não fazer nada, apenas
sentir, mas gosto mais ainda de outra: fazer algo inútil. Quer dizer, apenas
fazer qualquer coisa, mas não de qualquer jeito, porque tudo é inútil.
II
A arquitetura sustenta a
solidão.
Os antigos telhados de vinco
no chão rimam a lua. Na parede verde, o musgo sobrevive. Ainda sinto os
pecados, os rancores e algo sublime, que eu imperfeito, não consigo compreender
e expressar. Me esforço e pisco os olhos e nesse átimo surge os fiapos de
crianças a correr pelos lados da casa. Ouço seus gritos, risos, cochichos.
Provavelmente seja 1967 ou 1977, sei por causa da coloração verão. O sol
brilhava diferente nessa época. Brilha quente amarelo com coloração azul. Há
esperança, mas há sufoco. As histórias deles chegaram até mim em retalhos. Suas
histórias são mais minhas do que as minhas. Eu sou mais desse passado que desse
presente.
Escuto o barulho do grande
rio, negro, nos fundos cada vez mais alto. Sou obrigado a retornar ao agora.
Dirijo-me, em seguida, ao subúrbio. Eu moro numa casa disforme, mas com
coração, com uma daquelas crianças.
III
Há apenas um espaço vazio
composto exclusivamente pelo tudo, indecifrável. As palavras não conseguem
tatear a sua pele de pelos escamosos. Só o sentir consegue compreender; o
sentimento contempla o espaço oco. O choro de um cão se ouve. O vento passa
apressado. O barulho do avião atinge o silencio deixado pelo latido, o sopro e
a música do Rubel.
Alguém
tem sono, mas a pressa de viver não o deixa pregar os olhos. Não percebe que o
ócio é parte da vida
Há
desespero sob a carne intacta da angústia. O tempero da raiva contamina as
doces ilusões. O meu abraço já não é tão bom. Eu poderia morrer, sim, mas
infeliz pelas coisas serem o que são.
Aqui é o fim.
IV
Estou triste e o carnaval já vai chegar.
Me sinto como um velho que lembra da criança que brincava
de ser adulto
Me sinto como um gato mordido por um cachorro
Um rato canibalizado pelos seus pares.
V
O ilógico é a razão do hábito
cotidiano
banal
da
minha vida.
Autor: Bruno Ricardo Santos de Oliveira
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