segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Poemas antes de Marx, de Bruno Ricardo Santos de Oliveira


Poesia

POEMAS ANTES DE MARX

I

Eu imagino o tempo como um sopro que me atinge do cabelo até a cabeça do dedo do pé. O sopro é uma brisa leve, mas não fraca, tem o poder de bomba atômica destruindo e amolecendo o meu eu. Sinto seu choque quando me olho no espelho. Primeira vez que o percebi foi quando dessas suas explosões destruiu todos os meus dentes de leite; a segunda vez aconteceu quando fez buracos no meu rosto. Eventualmente eu ainda o percebo, mas a vida corre e assim me previno, ou finjo que me protejo. O tempo já me angustiou mais, hoje só me deixa perplexo. Angustiava porque não queria aceitar o fato de que acabo; hoje eu acho bonita essa ideia. Ter essa pequena possibilidade de usufruir do espaço/tempo é, sim, bonito. A grande questão é: o que fazer nesse espaço de tempo? Gosto da ideia de não fazer nada, apenas sentir, mas gosto mais ainda de outra: fazer algo inútil. Quer dizer, apenas fazer qualquer coisa, mas não de qualquer jeito, porque tudo é inútil.

II

A arquitetura sustenta a solidão.
Os antigos telhados de vinco no chão rimam a lua. Na parede verde, o musgo sobrevive. Ainda sinto os pecados, os rancores e algo sublime, que eu imperfeito, não consigo compreender e expressar. Me esforço e pisco os olhos e nesse átimo surge os fiapos de crianças a correr pelos lados da casa. Ouço seus gritos, risos, cochichos. Provavelmente seja 1967 ou 1977, sei por causa da coloração verão. O sol brilhava diferente nessa época. Brilha quente amarelo com coloração azul. Há esperança, mas há sufoco. As histórias deles chegaram até mim em retalhos. Suas histórias são mais minhas do que as minhas. Eu sou mais desse passado que desse presente.
Escuto o barulho do grande rio, negro, nos fundos cada vez mais alto. Sou obrigado a retornar ao agora. Dirijo-me, em seguida, ao subúrbio. Eu moro numa casa disforme, mas com coração, com uma daquelas crianças.



III

Há apenas um espaço vazio composto exclusivamente pelo tudo, indecifrável. As palavras não conseguem tatear a sua pele de pelos escamosos. Só o sentir consegue compreender; o sentimento contempla o espaço oco. O choro de um cão se ouve. O vento passa apressado. O barulho do avião atinge o silencio deixado pelo latido, o sopro e a música do Rubel.
Alguém tem sono, mas a pressa de viver não o deixa pregar os olhos. Não percebe que o ócio é parte da vida
Há desespero sob a carne intacta da angústia. O tempero da raiva contamina as doces ilusões. O meu abraço já não é tão bom. Eu poderia morrer, sim, mas infeliz pelas coisas serem o que são.
                   Aqui é o fim.

IV

Estou triste e o carnaval já vai chegar.
Me sinto como um velho que lembra da criança que brincava de ser adulto
Me sinto como um gato mordido por um cachorro
Um rato canibalizado pelos seus pares.



V


O ilógico é a razão do hábito
                                               cotidiano
                                                           banal
                                                                       da minha vida.



Autor: Bruno Ricardo Santos de Oliveira

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