quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Conto Pela Noite, de Bruno Oliveira

Conto

Pela noite

Estava eu sentado tomando uma cerveja – ou era corote? - com alguns amigos ali na Praça da Saudade, quando de repente um rapaz magro, vestido como aqueles soldados de Cristo, chegou a mim e entregou um panfleto que continha esse pequeno texto: 
De fato, uma ideia não é como um mármore, não é dura, forte, firme e inflexível; uma ideia, como cantou Borges, e eu concordo plenamente, está mais para um bosque, que com o passar do tempo ganha ou perde em força, flexibilidade e significados. Assim, depois de ler Schopenhauer, o maior dos desgraçados, vou falar com otimismo sobre a vida. Agora, preciso que você coloque para funcionar essa cabeça, porque lá vem porrada. 
Pense na possibilidade do nada. Isso mesmo que você leu: pense em algo antes do tempo e do espaço. Esse algo – que chamarei de indominável -  é o que sempre houve. O indominável estava no seu sono tranquilo de milhões de infinitos de tempo, em uma paz profunda, no silêncio absoluto, que nenhum nirvana jamais atingiu, quando de repente, num estalo, no amago do nada, no bucho do indominável, surgiu para o seu desgosto profundo a existência; ou seja, o universo e tudo aquilo que conhecemos e desconhecemos. (Alguns gostam de chamar isso de criação divina; já outros chamam de Big Bang. Eu gosto de chamar de infelicidade). Nesse instante, o indominável desprezou com todas as suas forças a existência. 
Ao surgir, imediatamente junto com o tempo e espaço, houve a dor, o sofrimento, a ruína, desprezo e tantos outros dissabores. Quero dizer, com isso, que todos esses elementos, imbuídos como flagelos pelo indominável, são constituintes fundamentais da existência. Sem mais. 
Mas a existência significa rebeldia. Se ele, o indominável, quer silêncio, daremos barulho; se ele quer dor, entregaremos amor; se ele quer a ruína, faremos um monumento. Jamais deveremos dar o braço a torcer para o indominável. 
  Então, façamos um barulhento monumento de amor. 
Paz. 

Confesso que achei bonito o que estava posto no papel. E confesso ainda mais que não entendi nada; nunca fui muito de poesia e muito menos de misticismo. Só dei conta do que estava escrito porque anotei o telefone da menina da UNE ali; caso contrário, eu teria limpado a minha boca cheia de queijo-quente e corote à noite inteira.

Autor: Bruno Oliveira

Nenhum comentário:

Postar um comentário