O dragão da bondade X compromisso coletivo
Por Victor Leandro
Uma imensa parte das
pessoas que vivem no mundo são, em geral, pessoas boas. Ajudam o próximo e
alguns distantes. Tratam a todos com polidez e respeito, inclusive os
subalternos. Amam e se casam e são felizes. Não agridem os filhos. Usam o
vocabulário correto em situações sociais. Cuidam dos bichos – existe até quem
não os coma por pura pena – e há quem chegue mesmo a votar em candidatos
progressistas. São arautos da era de paz e harmonia, embora não participem de
nenhuma iniciativa por uma transformação política profunda.
Já outras não
compartilham das mesmas afetações. São duras e difíceis, e compõem
autenticamente apenas com os que ampliam sua potência. Não que destratem
alguém, apenas não lhe reservam nenhuma conduta especial. Não seguem a etiqueta
da boa convivência pós-moderna. Mesmo nas relações pessoais, não despendem
sentimentalismos exagerados. No entanto, elas assumiram, graças ao seu esforço
racional, a necessidade de se comprometerem com as grandes mudanças sociais, e
seguem ativamente por esse caminho.
Ora, quem está mais
próximo de uma mudança efetiva e que de fato beneficie a humanidade como um
todo? Obviamente que são as do segundo caso. Isso porque as primeiras não
atingiram o nível da crítica racional que as converteria em indivíduos de fato
atuantes para a construção de uma humanidade igualitária. Presas que estão no
seu individualismo e afetos imediatistas, elas não enxergam além do que podem
tais condições, e limitam-se a agir conforme a caridosa postura que lhes foi
ensinada, sem nunca ultrapassar os limites que as levaria a uma racionalidade
verdadeiramente libertária.
O ente controlador dessas
amarras é a bondade, que bloqueia a vista do necessário. Em termos marxistas,
ela é a grande ilusão da felicidade que impede que surja a felicidade
verdadeira. Enquanto tentarmos ser bondosos, continuaremos a nos contentar em
dar esmolas quando poderíamos erradicar toda a pobreza. Mas é nisso que a
bondade revela seu caráter contraditório e manipulador. Porque somos bons, não
conseguimos construir a sociedade boa.
Há fascistas que são
extremamente bondosos quando nos falam pessoalmente e examinamos sua vida
íntima. Contudo, seu compromisso coletivo é com a destruição.
Contra essa solidariedade
farsesca, é que cabe a razão revolucionária. Somente ela pode deixar de nos
tornar cativos do dragão da bondade, e fazer com que possamos, movidos por
nossa capacidade de pensamento, construir uma sociedade equânime. Esse é o
autêntico compromisso humanitário.
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