quarta-feira, 7 de agosto de 2019

coluna SEGUNDA VIA


O dragão da bondade X compromisso coletivo

Por Victor Leandro

Uma imensa parte das pessoas que vivem no mundo são, em geral, pessoas boas. Ajudam o próximo e alguns distantes. Tratam a todos com polidez e respeito, inclusive os subalternos. Amam e se casam e são felizes. Não agridem os filhos. Usam o vocabulário correto em situações sociais. Cuidam dos bichos – existe até quem não os coma por pura pena – e há quem chegue mesmo a votar em candidatos progressistas. São arautos da era de paz e harmonia, embora não participem de nenhuma iniciativa por uma transformação política profunda.
Já outras não compartilham das mesmas afetações. São duras e difíceis, e compõem autenticamente apenas com os que ampliam sua potência. Não que destratem alguém, apenas não lhe reservam nenhuma conduta especial. Não seguem a etiqueta da boa convivência pós-moderna. Mesmo nas relações pessoais, não despendem sentimentalismos exagerados. No entanto, elas assumiram, graças ao seu esforço racional, a necessidade de se comprometerem com as grandes mudanças sociais, e seguem ativamente por esse caminho.
Ora, quem está mais próximo de uma mudança efetiva e que de fato beneficie a humanidade como um todo? Obviamente que são as do segundo caso. Isso porque as primeiras não atingiram o nível da crítica racional que as converteria em indivíduos de fato atuantes para a construção de uma humanidade igualitária. Presas que estão no seu individualismo e afetos imediatistas, elas não enxergam além do que podem tais condições, e limitam-se a agir conforme a caridosa postura que lhes foi ensinada, sem nunca ultrapassar os limites que as levaria a uma racionalidade verdadeiramente libertária.
O ente controlador dessas amarras é a bondade, que bloqueia a vista do necessário. Em termos marxistas, ela é a grande ilusão da felicidade que impede que surja a felicidade verdadeira. Enquanto tentarmos ser bondosos, continuaremos a nos contentar em dar esmolas quando poderíamos erradicar toda a pobreza. Mas é nisso que a bondade revela seu caráter contraditório e manipulador. Porque somos bons, não conseguimos construir a sociedade boa.
Há fascistas que são extremamente bondosos quando nos falam pessoalmente e examinamos sua vida íntima. Contudo, seu compromisso coletivo é com a destruição.
Contra essa solidariedade farsesca, é que cabe a razão revolucionária. Somente ela pode deixar de nos tornar cativos do dragão da bondade, e fazer com que possamos, movidos por nossa capacidade de pensamento, construir uma sociedade equânime. Esse é o autêntico compromisso humanitário.

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