terça-feira, 19 de novembro de 2019

A magia de Harry Potter, Por Luana Aguiar

Literatura
A magia de Harry Potter
Por Luana Aguiar

Harry Potter é uma série de sete livros de gênero fantasia, escritos pela inglesa J. K. Rowling, que conta a história de um menino órfão – cujo nome dá título aos livros – o qual descobre, no seu aniversário de 11 anos, que é um bruxo. A partir desse ponto, conhece um novo mundo e uma nova identidade. A série obteve sucesso imediato após o lançamento de seu primeiro romance, Harry Potter e a pedra filosofal, em 1997, sendo sucesso de críticas e vendas, principalmente. Até maio de 2015, já haviam sido vendidas 450 milhões de cópias em todo o mundo. A narrativa sobre o jovem Potter atinge leitores de todas as idades: continua atingindo as novas gerações, crianças e adolescentes que, apesar de não terem participado dos primeiros lançamentos da saga, estão inseridos no universo dos bruxos através de uma série de livros e longa-metragens que foram produzidos como spin-offs. O público mais antigo, que acompanhou os lançamentos à época, mantém uma relação de afeto com a série, a qual fez parte da constituição de sua infância, apreciando também as novas produções (que parecem nunca se esgotar) como se relembrassem ou reinventassem a própria infância. 
Harry Potter transformou-se, na verdade, numa grande marca comercial (que chegou ao valor de 15 bilhões de dólares) onde existem desde produtos de material escolar com a temática bruxo até exorbitantes parques temáticos, como o The Wizarding World of Harry Potter, no qual pessoas do mundo inteiro viajam para conhecê-lo. O parque de diversões (o que, em si, já é um produto de consumo, como qualquer outro produto da indústria cultural) reveste-se da ilusão de levar seus consumidores a uma “experiência literária” ou experiência de entretenimento, onde as pessoas entrarão em contato com personagens que tanto amam, animais mágicos e castelos gigantescos do universo do pequeno bruxo. Isto é, tudo o que é do campo ficcional passa a criar corpo, forma e entrar em contato com seu público. 
Há quem pense que essa perspectiva não tem de nada maléfica, pois, vejamos, seria apenas uma maneira de fazer a população “entrar em contato” com a literatura, de maneira mais lúdica. Porém, isso nos faz questionar: quais outros tipos de literatura possuem um parque de diversões? Será que a ideia de experiência literária é aplicada a todos os tipos de literatura, ou apenas àquelas que, já em sua origem, possuem a intenção de serem consumidos pela indústria cultural? Certamente os romances de Dostoiévski, como Crime e Castigo ou Os irmãos Karamázov, não possuem parques temáticos que reproduzam seus personagens e cenários. Não por que sejam histórias do século XIX de um escritor russo, mas por que a obra literária se constitui estética e ideologicamente de maneira distinta aos romances de J. K Rowling, que visam o apreço e consumo do público. Segundo Theodor Adorno, indústria cultural é a indústria da diversão,  “seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que esta acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo que seja mais do que ela própria”.
As produções em massa dos spin-offs são tão absurdas quanto as suas motivações: Rowling escreveu cerca de dez obras (fora os sete livros que constituem a saga original) que continuam a semear a “magia” de Harry Potter. São livros sobre a história do esporte bruxo, o quadribol, praticado nas escolas de magia, chamado Quadribol através dos séculos, de 2001; outros fazem referência a narrativas de livros que são apenas mencionados pelos personagens da série, mas que a autora lhes deu luz para, claro, vender mais livros, como Os Contos de Beedle, o Bardo, de 2008, uma espécie de livro de fábulas que Harry ganha de presente, e Animais fantásticos e onde habitam, de 2001, um livro de estudo dos alunos de Hogwarts, a escola de magia. Este último ficou mais conhecido, por render dois longa-metragens: o primeiro lançado em 2016 e o segundo em 2018. 
De fato, essa realidade nos apresenta a real intenção da indústria quanto à série de livros, onde não há dúvida que o lucro e a alienação em massa são os principais objetivos. Não existe uma função social, seja nos romances, seja nos filmes, que apresentem ao público qualquer forma de questionamento; ao contrário disso, só perpetua uma permanência do status quo e uma prolongação da vida burguesa. O cinema não precisa mais se apresentar como arte, apresentar-se como indústria é até um orgulho – de si próprio e dos seus próprios consumidores: “A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos”. A força da marca Harry Potter é tão surpreendente que mesmo após mais de 20 anos de seu lançamento continua agregando fãs para o seu sustento. Harry Potter tornou-se parte do imaginário, não somente de crianças, mas de um público de todas as idades, que não medem esforços para comparecer às pré-estreias, vestidos customizados, e fortalecerem a indústria cultural, com a ilusão de que tudo aquilo foi feito para o seu próprio entretenimento. 
Atualmente, mesmo após o término das adaptações cinematográficas (que se estenderam a um total de oito filmes para sete romances), a indústria do cinema continua “parindo” novos filmes que ainda fazem parte do universo do mundo bruxo. A indústria, seja a editorial ou cinematográfica, alega, geralmente, que tais mecanismos de reedições de luxo dos livros já conhecidos da saga ou de novos livros que comportam o universo de Harry Potter, ou a produção em massa de filmes sobre o mundo bruxo, são desejos do próprio público, que exigem sempre mais elementos da série de livros. No entanto, isto não passa de um mecanismo da indústria para produzir e vender mais – isto é, “a atitude do público que, pretensamente e de fato, favorece o sistema da indústria cultural é uma parte do sistema, não sua desculpa. [...] o recurso aos desejos espontâneos do público torna-se uma desculpa esfarrapada”. A magia de Harry Potter, pelo que nos parece, é o dinheiro.

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