quinta-feira, 14 de novembro de 2019

O impostor, Por Victor Leandro

Coluna Segunda Via

O impostor
Por Victor Leandro

Começou as ler os livros e não os compreendeu. Achou-os todos demasiado difíceis, mas preferiu não revelar isso a ninguém. Anotou algumas frases e passou a repeti-las constantemente, sem nenhum exame. Por fim, limitou-se a imitar os clichês que encontrava nas redes sociais.
Nada daquelas palavras, porém, tinha a ver com sua existência. No seu cotidiano, a teoria era outra. Não tinha pudores em mentir, enganar, oprimir e invejar. Sua raiva para com os ricos não passava de ressentimento, e sua obediência às normas o aproximava da iniquidade. Quando se encontrava em uma posição hierárquica favorável, não hesitava em deixar no chão os que estavam a sua frente. Suas ideias revolucionárias só tinham relação com o papel. Progressista na economia, reacionário nos costumes.
Até que, desistindo de seus ares transformadores, resolveu assumir-se como carreirista. O que quer que tenha dito, isso pertencia ao passado, a uma fase pueril. A única maneira de mudar o poder era estar dentro dele, pelo menos era o que dizia, embora todos soubessem que esta tinha sido sua última enganação. Sua vida inteira se apresentava como uma grande farsa. Quem pode se sentir bem desse jeito? Era o que perguntavam os que o conheciam por dentro.
Contudo, a despeito de seus contestadores, ele segue seu percurso animado e cheio de contentamento. Do alto da montanha de nada que erigira, ele olha para trás e pensa ter feito um bom trabalho. Nenhuma dúvida, nenhuma suspeita de ter sido por um instante uma mentira. Porém, ele em breve sucumbirá, e o instante de verdade irá surgir como um silêncio. Diferentemente das grandes ideias, não há miséria que sobreviva a sua própria finitude.  Ainda bem.

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