sábado, 16 de novembro de 2019

Conto: Bloqueio, de Ângela Cláudia

Conto 

Bloqueio

      Se você acha que qualquer coisa pode virar um conto, então continue a ler isso aqui. A diferença é que quem narra é uma mulher e não um homem.
     Em um dia comum de trabalho e correria pra Clarisse, ela levantou caindo de sono, pegou o celular como de costume e verificou as notificações antes das seis da manhã. Meio acordada, meio dormindo ela sentou no trono sanitário e checou o Whatsapp, o Messenger, o Instagram, e as outras tralhas todas que tem nas redes. Como uma pessoa ansiosa, dá conta desse monte de porcaria que atrasa a vida dela e de todo mundo. Quando abriu a conversa do Messenger, estava lá aquela foto de uma cara falando com ela.
         Ela esfregou os olhos pra olhar quem era e não reconheceu, esfregou novamente e não fez a mínima ideia de quem seria aquele cara na foto com o rosto de macho bom de cama, inteligente e que poderia foder a vida de alguém que estivesse feliz em um casamento duradouro.
      Abriu a conversa e já foi lendo aquela enxurrada de mensagens de machista escroto quando quer “pegar alguém “ “Tudo bem linda? ”  “ Como você está? ” “ Você lembra de mim?”  “Vi que nós temos 94 amigos em comum no Facebook”. “Eu sou o Paulo, filho do seu Miguel”.
        Aí Clarisse pensou: “ de onde esse psicopata me conhece? Afinal, 94 amigos em comum é muita gente. Eu vou stalkear a criatura e tentar entender isso. Tomara que não seja nenhum bolsominion do MBL”.
      Ela começou a jornada em busca de lembrar quem era aquela belezura que do nada, do nadinha mesmo, apareceu “todo todo” puxando papo quase amanhecendo o dia. Olhou fotos antigas, leu postagens e não conseguiu descobrir quem era aquela coisa linda.
     Pelas fotos e postagens já percebeu logo que ele era comprometido assim como ela, percebeu que o dito cujo estava em viajem pela Europa e que morava em uma cidade distante. Descobriu a profissão , analisou os locais que ele frequentava, analisou as roupas e sapatos que ele usava e até o tipo de comida que ele gostava. Nas redes sociais para uma boa stalkeadora, cinco minutos fuçando são suficientes para desvendar até os mais íntimos dos segredos.  Então voltou na conversa e respondeu: “ Infelizmente não te conheço, desculpa, nem lendo seu nome, nem vendo suas fotos eu consigo lembrar e nem ter uma vaga lembrança de quem você seja. Vou precisar sair do papo porque vou trabalhar e não tenho tempo, minha vida é de tripla jornada.” Clarisse no fundo no fundo não queria sair daquela conversa, mas precisaria dar um basta.
 Paulo respondeu:  “ você prometeu casar comigo quando éramos criança e não lembra? ”, “eu te procurei durante 20 anos e agora te achei”. 
Clarisse não conseguia lembrar mesmo e estava ficando com medo. Depois de muitas coisas que ele contou da infância, ela lembrou da família dele, de tudo, mas não lembrava dele, parecia que tudo aquilo era mentira, história inventada e só. Ela não lembrou de nada do que ele contou, mas ele contou muitos detalhes , detalhes que só sabia quem tinha vivido uma história que marcou o passado distante. Mesmo assustada, leu toda a conversa e o tratou com educação. Depois de muitas histórias, ela disse que ainda bem que ele estava bem e casado e que ambos tinham as suas vidas amorosas bem resolvidas. Ela casada há mais de 17 anos e Ele casado pela segunda vez, mas essa última, casado bem recente e naquele exato momento da conversa, Ele estava em lua de mel.
      Clarisse imaginou que Paulo estivesse realizado e ficou feliz por isso. Ela só queria se despedir e pensar nessa confusão em outro dia, não queria mais continuar aquele papo no qual ela não sabia exatamente o objetivo e nem onde iria parar. Ele pediu o número de telefone e Ela deu um número errado, despediu-se dele e depois o bloqueou.             Preferiu pensar que aquilo tudo era imaginação, não porque um cara bonitão a cantou ou coisa do tipo, mas por não se sentir segura e ter sido pega de surpresa.  Escolheu continuar a vida sem sustos, sem falsas expectativas, com segurança e controle de tudo, apesar de carregar dúvidas sobre o que poderia ter acontecido se tivesse continuado aquela conversa de novela mexicana.


Autora: Ângela Cláudia

Nenhum comentário:

Postar um comentário