quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Anypomonisía, de Victor Leandro

Conto

Anypomonisía

Não, não é que tivesse feito nenhum pacto mórbido.

Também não padecia de sofrimentos intrínsecos. Levava uma vida tranquila, serena, bons amigos, amores sucessivos. Raras vezes perdia a paciência. Não carecia de males pela falta de dinheiro. Era amada pelos pais, e bem sucedida no trabalho. Os irmãos estavam longe de querer em algum momento rejeitá-la.

Mas havia um incômodo, uma ideia persistente, um pensamento obscuro.

É que Sabrina gostava de controlar seu mundo. Desde pequena, aprendera os principais caminhos para ter as ações sob controle. Ordenava e previa com exatidão. Mesmo aquilo que parecia absolutamente impossível, quando acontecia, já estava no esquema de hipóteses sabrinianas. Precisava ter sempre um plano para o almoço, o jantar, os assuntos do dia, sobre aqueles com quem iria falar ou de quem deveria lembrar-se e esquecer-se. Nada, rigorosamente nada, escapava as suas projeções.

-Porque estamos num mundo lógico, gostava de dizer.

Mas existia algo que ela não conseguia antecipar. Era o instante de seu fim. Por mais que refletisse, não traçava uma linha com a qual estivesse apta a determinar assertivamente o término de sua história, o que a deixava muito aflita. Se, por um lado, consolava-se diante da certeza de que seu desaparecimento era fatalmente necessário, por outro, sentia uma perturbação terrível por não ter o menor conhecimento de como nem quando isso se daria. Um câncer? Um assalto na calada da noite? Um susto? A velhice lenta e preguiçosa? Eram variáveis demais para pôr em perspectiva.

Na infância, ainda soube lidar com esse empecilho. Porém, à medida que os anos passaram - já contava 25 - e pôde cada vez mais apoderar-se de seu destino, o incômodo foi se tornando gradativamente insuportável, de tal maneira que já não conseguia mais concentrar-se no que quer que fosse, desesperada por não encontrar uma solução minimamente razoável para o problema. Mas, claro, havia uma bastante eficiente.

Sim, foi isso que pensou naquele fim de tarde chuvoso, em que saíra sem nenhum maior aviso. Somente a partir de sua decisão seria possível definir exatamente o seu caminho. Era muito claro, claríssimo! Correto, muitos iriam lamentar, porém é certo também que compreenderiam. Quem pode viver com esse dilema na cabeça? E como ela poderia esperar um segundo a mais, correndo o risco de ser traída pelo acaso, por uma coincidência infeliz, quando podia por si própria determinar de forma inequívoca os seus rumos? Não havia por que titubear. Essa era a única resposta válida e coerente.

Como já estava à beira da ponte, não se esforçou muito. Bastou um simples passo apenas.

Victor Leandro

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