domingo, 19 de janeiro de 2020

Bolsonaro é fascista?, por Matheus Cascaes

Ensaio

Sem título, de Ismael Gomes de Menezes
Bolsonaro é fascista?
por Matheus Cascaes

Se aprendemos alguma coisa com Louis Althusser em Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, foi que a ideologia não é apenas um conjunto de ideias*. A ideologia tem uma realidade material. Ela se manifesta na vida social por meio de atos concretos. Os gestos, as práticas rituais e o discurso são exemplos dessa manifestação. Em “A dama pé de cabra”, de Alexandre Herculano, a “moça demônio”, desposada por D. Diogo Lopes, compreende muito bem isso quando coloca como condição para a união entre eles que o senhor de Biscaia pare de persignar-se. Ele deixa de ser cristão (católico) nesse momento.

Com efeito, não importa o nome que você dá para um determinado conjunto de práticas materiais da vida social. Não é a classificação atribuída por você enquanto sujeito que vai definir ou não a existência de um objeto. A ideologia, enquanto objeto da realidade social, tem determinações sociais e históricas e é independente do sujeito. Para apreendê-la, não basta nomeá-la, é preciso fazer uso de um instrumento: a teoria crítica. 

Compreender isso é muito fácil quando se faz uma analogia às ciências naturais. Você pode muito bem dizer que um cachorro é uma espécie planta. Nada impede isso. No entanto, um cachorro não se torna uma planta automaticamente. A realidade não muda com a simples nomeação. Existem características estruturais que fazem com que as ciências da natureza não agrupem os cachorros dentro do reino das plantas. Para se compreender essa classificação, é necessário antes o uso do aparato da ciência.

O fascismo e a sua vertente o nazismo são ideologias de extrema-direita. Isso quer dizer que elas não são o aparelho do Estado, nem uma forma de Estado e, muito menos, uma forma de governo. Obviamente, quando essas ideologias tomam o controle do poder de Estado, elas podem assumir diversas formas de governo, no entanto, elas não são a forma em si. A forma que assumirão depende do conjunto complexo de forças envolvidas naquela formação social. Não podemos esquecer outra lição que aprendemos com Althusser, o aparelho repressivo de Estado não é apenas um instrumento de dominação, mas também o lugar onde acontece a luta de classes. Assim, se um presidente com práticas fascistas é eleito, não necessariamente seu governo assumirá a forma assumida pela Itália fascista de Mussolini.

Agora, a pergunta do título: Bolsonaro é fascista? Para se responder a essa pergunta satisfatoriamente, faz-se necessário uma pesquisa mais longa – que não é o objetivo deste pequeno texto. No entanto, sabendo como funciona a ideologia, temos alguns indícios de que a resposta é afirmativa. Seria possível falar de várias evidências que já foram notadas, mas vamos nos ater a uma delas que surgiu recentemente: o ex-ministro da cultura Roberto Alvim fazendo alusões nazistas. 

Para quem não acompanhou, o ex-ministro, em seu discurso para divulgar um concurso nacional de artes, parafraseou Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Nessa paráfrase, não apenas revelou a mesma concepção de arte dos nazistas, como se utilizou de trechos idênticos ao do discurso de Goebbels. Mas as alusões nazistas não param por aí. Todo a cena do vídeo faz uso da mesma semiótica nazista, desde a inflexão da voz, até o penteado e o cenário.

Nesse caso, Bolsonaro tê-lo demitido não revela nada seguro a respeito de suas concepções ideológicas. Na realidade social atual, os rótulos nazismo e fascismo estão manchados. Para se chegar ao poder e se manter nele, não se pode assumi-los. Demitir o ministro, portanto, pode ter sido apenas uma forma de não se manchar. A nota que publicou declarando o pronunciamento apenas como “infeliz” e dizendo que a permanência de Alvim se tornou “insustentável” só indica que é bem possível que o presidente não tenha visto nada demais na declaração e só o demitiu por pressão externa.

É claro que Bolsonaro já declarou rejeitar o nazismo e o fascismo. Mas isso também não indica que ele não é fascista. Só lembrando: não é porque ele não nomeia o conjunto de suas práticas como fascismo que elas não são isso. Assim, uma pergunta vem à mente: se ele rejeita essas práticas, por que achou que alguém com concepções – algumas, ainda que implicitamente, declaradas como se viu – nazistas seria a pessoa ideal para ser o seu ministro da cultura? Em outro caso, poderíamos dizer que foi mero acaso. Mas já conhecendo todas as outras práticas desse governo, a resposta dessa pergunta é: provavelmente porque tem ideias e práticas que – no mínimo – se aproximam do nazismo. O que fortalece a hipótese de que Bolsonaro é fascista.

Confirmando-se essa hipótese, uma pergunta surgirá: será que Bolsonaro sabe que ele fascista? Das duas uma: ou Bolsonaro sabe de onde vêm as ideias que tem e não assume para não se manchar; ou, por ignorância, de fato não sabe. De todo modo, a resposta dessa pergunta não faz a menor diferença na prática, se a hipótese se confirma. Sabendo ou não que é fascista, o que importa é que é.

Assim, se Bolsonaro é ou não fascista, só uma pesquisa longa pode dizer. Mas a conclusão a que chegamos com a análise de um fato recente é: há indícios de que sim. Aí se pode perguntar: se não chega a uma resposta definitiva, o que este texto quer? E eu respondo: apenas ligar um sinal de alerta na cabeça das pessoas que acham que são livres e donas das suas próprias ideias e práticas, como se estas não tivessem uma origem social, e que acham que o nazismo e o fascismo “ascenderam no passado” apenas porque as pessoas foram enganadas e forçadas a apoiá-los. A essas pessoas eu digo com toda a clareza: se o fascismo e o nazismo ascenderem hoje – se é que não ascenderam já –, eles não vão usar esses nomes. Fiquem ligados no que vocês defendem.



*Esta, aliás, é uma concepção ideológica de ideologia. Em um texto futuro, quando expor a respeito desse conceito tão pessimamente usado, tornarei isso claro.

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