quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Crônica: Mais do que mil imagens, por Mauricio Braga

Crônica

PERSONA. Direção: Ingmar Bergman. 

Mais do que mil imagens
por Mauricio Braga

Assisti pela terceira vez o Persona (1966), de Ingmar Bergman, na casa de uma amiga. No Brasil, Persona recebeu o título de Quando Duas Mulheres Pecam. Um verdadeiro pecado! O título original, neste caso, é um elemento importante para a compreensão do enredo. Mas deixemos o título de lado. Quero aqui destacar apenas uma cena: quando a enfermeira Alma, que está cuidando de uma atriz que se recusa a falar, narra uma orgia na praia. Esse é um dos momentos mais eróticos da História do Cinema – mesmo sem mostrar nenhuma imagem de sexo. 

Bergman deixa a orgia no plano verbal para que o espectador, a partir da fala de Bibi Andersson, fantasie. Lança mão, portanto, da imagem que, ao invés de ser dada, é construída com o interlocutor através das palavras. Sendo essa a causa de tamanha carga erótica.

Saliento, entretanto, que a falta de sexo explícito nada tem a ver com puritanismo. Se fosse um impedimento moral, o diretor não incluiria no início da película o fotograma de um pênis. O ponto então é: Bergman sabia que, usando as palavras, ele obrigaria o público a imaginar, ao invés de assistir passivo. 

Assim, as palavras nos obrigam a criar imagens. Esse é um dos feitiços da linguagem verbal que, na era das imagens, parece estar sendo negligenciado. Ora, quem nunca ouviu a frase “uma imagem vale mais do que mil palavras”?!, Frase, diga-se de passagem, mentirosa; pois há caminhos que só as palavras conseguem percorrer, e efeitos que só elas conseguem produzir. Afinal, no texto, oral ou escrito, há lacunas e ritmos impossíveis à imagem.

Talvez cause estranhamento eu usar um filme – arte predominantemente imagética – para tratar disso. Porém o referido filme é de um diretor que sabia trabalhar com contrastes. Em Persona temos: claro e escuro; silêncio e verborragia; opacidade e transparência; velado e explícito; e, evidentemente, semiótica e semântica.

Não obstante, Bergman sabia fazer uso da palavra, pois era ligado ao Teatro. Neste, o discurso é uma ação, não um complemento de ação.

Quando o filme chegou ao fim, minha amiga comentou sobre a cena da orgia: “parece que eu vi. Criei as imagens na minha mente”.  E concluiu: “fiquei até excitada”.

Dei um risinho e desliguei a tv.

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