quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Crônica: Uma anomalia normal (por Mauricio Braga)

Crônica

Uma anomalia normal
por Mauricio Braga

A maioria das conversas desemboca em futebol. Geralmente me esquivo desse assunto. Tento falar sobre outra coisa, arrastando a conversa para uma área que eu domine. Mas nem sempre sou bem-sucedido nisso.

Encontrei meu amigo em uma manhã de domingo, na feira da Eduardo Ribeiro. Ele tinha acabado de comprar uns livros. Eu usava uma camisa do flamengo e, por isso, ele fez um comentário jocoso sobre o time. Em seguida achou graça por eu estar vestido com aquela camisa mesmo não gostando de futebol. Retruquei que eu gostava sim, apenas não era fanático como os outros. Ele então falou que não entendia porque eu não compartilhava a paixão nacional pelo esporte. “Não gostar de futebol no Brasil é uma anomalia”. Tentei mudar de assunto, comentando os livros que ele tinha em mãos, porém meu amigo estava determinado a falar de futebol. Ignorou meu comentário sobre os livros e prosseguiu afirmando que sem futebol a vida para ele seria uma linha reta, isto é, sem emoção. Afirmou ainda que se sentia em um vácuo durante o pouco tempo entre o fim e o início dos campeonatos. Para o meu amigo, uma quarta-feira e um domingo sem jogos eram uma quarta-feira e um domingo nulos, que anulavam a semana inteira. Não havia emoção e nem assunto. O jeito era amenizar revendo partidas antigas no youtube. “Com futebol a vida não é absurda”, declarou. Gostava até quando o Vasco, por quem torcia, o fazia sofrer, uma vez que “sofrer é melhor do que não sentir nada”.

– Aquele verso no hino do vasco que diz “tu tens o nome do heroico português” me aborrece um pouco – comentei – porra, homenagear colonizador é uma merda. Mas o time em si é bem respeitável.

Meu amigo concordou e fez mais alguns comentários sobre times e jogadores. Em seguida nos despedimos. Confesso que fiquei com um pouco de inveja. Quem dera eu tivesse uma paixão arrebatadora por algo tão simples como o futebol. Comecei a lembrar das minhas experiências com o esporte. Lembrei que quando criança fui ao então chamado estádio Vivaldo Lima com meu pai. Vimos uma partida entre São Raimundo e um outro time que não consigo lembrar qual era. O Vivaldão estava lotado, mesmo se tratando de um jogo regional. Foi quando vislumbrei a força do futebol. Pela tv uma partida pode parecer chata, mas ao vivo a experiência é incrível, pois aglutina a energia da multidão. Talvez o futebol tenha algo em comum com o teatro: você precisa estar presente. Acho até que se eu vivesse em uma cidade mais futebolística, seria um grande torcedor. Iria toda semana ao maracanã, caso morasse no Rio; ou ao Morumbi, caso morasse em São Paulo. 

Anotei mentalmente: “em uma época marcada pelas formas digitais, é preciso exaltar a força da presença” e me embrenhei domingo adentro.

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