Coluna Segunda via
O mal-estar na leitura
Por Victor Leandro
Era de se imaginar que o hype um dia chegasse ao mundo da leitura. Não ao da literatura industrial. Este já havia sido capturado desde o início. A questão, na verdade, é o que se faz com a literatura comprometida estética e socialmente, que começa a ser cooptada e subsumida pela lógica do espetáculo.
Reduzida a um entretenimento comum, a arte literária vem sendo condenada a um plano de superfície. Nas redes sociais, veem-se correntes de leitura, indicações, frases, fotografias. Em todas elas, as obras estão ali tão só em seu ornamento exibicionista. O narcisismo quantificador, que mede o grau de cultura pelo acúmulo, é o mecanismo mais intenso de sua reverberação. Mesmo os que não apenas memorizam nomes, e se empregam na prática da ler costumeiramente, fazem-no sem o mínimo de comprometimento, desprovidos da menor profundidade, passando por Dostoiévski e Balzac como quem percorre a temporada de uma série da moda. Não há reflexão, muito menos um estado ativador da força transformadora dos livros.
Como resultado, o que se tem é o que há se espera. A literatura se torna uma arte sem substância. Reduzida ao estatuto de imagem, ela não encontra meios de se compor com o real que articula o mundo. Essa é a sua verdadeira crise, para muito além do que professam aqueles estarrecidos com os limites da forma.
Nelson Rodrigues, um reacionário que costumava dizer coisas acertadas, falou uma vez: “deve-se ler pouco e reler muito”. Talvez uma limitação no fluxo lancinante das obras seja um bom antídoto para impedir a sua marcha dissolvente. Disso, segue uma regra simples, e que pode ser aplicada sempre: nunca deixar um livro até ter alcançado substancialmente o seu sentido. Eis um interessante caminho, contra o qual a leitura virtualizada não encontra veneno.
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