No parque
Árvores que deitam folhas pálidas entre os galhos esquecidos, abandonados pela noite e inconsolados na ubiquidade lenta do rocio, numa porção de silêncio que nos diz e que nos falta, repassando as ventanias luminosas da neblina, a luz distante e o frio que oprime, e que alcança sem rutura os deletérios lugares da ausência.
Um caminho, um passo, uma voz ao longe.
Foi há seis dias que Mathilde me deixou. Teve forças e preferiu ir antes. Deixou espatifar-se no carro ou tomou cicuta, não se sabe o que veio primeiro. O que está certo é que é morta. Formidável índice da ousadia e do anseio, oitenta anos de uma narrativa feroz, resoluta, terminada com inquebrantável retidão. Um modelo para o panteão da história.
Não ocorreu, entretanto, da maneira que planejamos. Queríamos ter tombado nos braços de uma revolução, de preferência ao seu limiar. E seríamos celebrados e cantados. Nos muros, poemas estariam escritos em nossa causa. Mártires absolutos da causa do povo. Era o que pensávamos jovens.
Mas assim não foi. Porém não é possível dizer que fracassamos. Conseguimos algo em tudo. Ou quase nada. Nada. E foi nesse vazio que fomos criadores. Horas e horas a falar de nós e do nosso momento, intérpretes precisos da primeira hora. Por vezes, nos olhávamos e era o bastante, não precisávamos de mais. Escapamos dos filhos. O preço foi terminarmos sem ter quem nos cuide. Pagamo-lo com dignidade.
Por que ela não me chamou para ir junto? Acaso duvidou de que tivesse brio?
De resto, ando por aqui sozinho. O último amigo que me ligou já tem mais de quatro meses. Eles não se importam e eu também não. Em grande parte do tempo, sequer me lembro de que existem. Já em outros instantes, não consigo recordar nem de mim mesmo. E talvez a verdade seja isto, a de que me encontro fora deste mundo. Não posso mais ser visto por ninguém, e o que promulgo agora é tão somente a minha desaparição: como um livro antigo, sou apenas memória.
Victor Leandro
Texto lindo, parabéns Victão... Continue assim, você é uma inspiração...
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