sexta-feira, 5 de junho de 2020

A cidade e o conflito, por Fernando Monteiro

Crônica



A cidade e o conflito
por Fernando Monteiro

A cidade é realmente um objeto que nos assalta a visão, a mente e a dúvida, gosto de pensar dessa forma. Não é um interesse que se manifesta sem motivo e razão, existem sempre fatores da consciência ou da realidade que atraem nossos olhos para a magnitude da cidade. Pois, ela mesma, a cidade, é um constructo de um processo de raiz social e material. Não há como conceber a cidade sem essas instâncias, sem pensá-la num amplo conjunto onde estão presentes os jogos de interesses, os modos de vida (esses que são dos mais diversos) e a própria lógica-forma de se ver e viver a cidade. Assim como, não há como pensá-la apenas no plano das ideias. Ver e viver a cidade são aspectos que só podem ser realizados no ato, no toque, no pisar ao chão. Ou seja, a cidade é tudo aquilo que está diante dos nossos olhos, em que podemos tocar, ao mesmo tempo que vivemos em seu conjunto (para as boas ou más experiencias). 

Gosto também de pensar a cidade como um espaço de eternos conflitos. Esses conflitos são frutos de diversos interesses que, aos poucos, no cotidiano, vão constituindo a cidade. Talvez por isso, há tanto amor e ódio simultaneamente conflitantes no interior da cidade, pela cidade. O filósofo francês Henri Lefebvre em seu clássico “O direito à cidade” diz que, em sua essência, a cidade é o centro da vida social e política, onde se acumulam anos de conhecimentos, de técnicas e as obras, isto porque, a própria cidade é uma obra. Ao mesmo tempo que ela é também um produto, o que nos leva ao pensamento de que a cidade é um espaço de eternos conflitos, entre o uso e a troca, entre a obra e o produto.

O uso da cidade se dá pela festa, sendo essa a principal forma de se consumir a cidade sem nenhuma outra vantagem que não seja pelo prazer de vivenciá-la. A troca da cidade se dá pela constante produção do seu espaço enquanto mercadoria, entre fixos e fluxos. Henri Lefebvre nos diz também que, na era medieval, por exemplo, as cidades eram as centralidades das riquezas, enquanto que, na cidade em que dita o capitalismo, a riqueza torna-se móvel, onde foram constituídos amplos circuitos de trocas, inúmeras redes que possibilitaram a circulação dessa riqueza. 

Mesmo que a cidade esteja a ser constituída sob esses moldes, ela conserva o seu caráter de comunidade, advinda da aldeia e que, posteriormente, se transforma numa cidade corporativa. Mas que isso não impede que se manifestem as lutas de classes e todos os demais conflitos pela cidade, afinal, como ainda nos ensina o filósofo francês, a cidade é também constituída por uma extensa luta de facções, todas ao caminho de demonstrar, de reforçar o seu sentimento de pertencimento à cidade. Ou seja, um espaço de eternos conflitos onde os diversos sujeitos e sujeitados expressam seus interesses entre si, rivalizando o seu amor pela cidade, seja ela para o uso ou para a troca.

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