sábado, 13 de junho de 2020

UMA PÁGINA EM BRANCO, de Márcia Antonelli

Conto



UMA PÁGINA EM BRANCO
por Márcia Antonelli

esta página está em branco. não há qualquer palavra escrita aqui. nenhuma gota de tinta derramada aqui. nada! é apenas uma página vazia. uma página em branco. não tente ver outra coisa porque não há nada além de uma página vazia e em branco. uma total ausência de mim. ás vezes estar ausente é estar presente, mas eu não estou presente porque não há nada de mim expresso aqui; nada se move. a bem da verdade, não mereço estar aqui. sendo que realmente eu não estou aqui. uma página em branco é o que tu vês. É o que eu sou. eis o título atribuído a esta página: UMA PÁGINA EM BRANCO. creio ser esta a melhor coisa que já escrevi em vida. minha melhor definição de mim mesma. sendo que não escrevi absolutamente nada! a ilusão compensa a existência. ou seria ao contrário. contudo, não se iluda com esta página porque nela nada há. nada vais encontrar aqui, senão o seu vazio absoluto. na falta de um sentido melhor, empresto de você um sentido qualquer se é que podemos atribuir qualquer sentido a esta página. através dela comunico a total abstenção de minha alma. do meu silêncio. o meu completo vazio. chegue então mais perto seus olhos se não crer no que afirmo. passe a mão assim devagar nesta página se não acreditas mesmo no que digo. é tudo um nada. uma superfície plana. um vazio de sentimento plano: o inverso do que poderia ser mas não foi. não estou em condições de lhe afirmar outra coisa. mas acredite, tu és mais importante do que tudo que eu me arriscar a escrever, mas que não escrevi neste momento. uma gota de silêncio. SILÊNCIO! dou-me o direito do silêncio. não se trata de má vontade literária ou de acovardamento. não se tem olhos ou ouvidos para aquilo que não se tem acesso. roubei esta frase de onde mesmo(interrogação) de nenhum lugar. ela está fora de lugar apenas. por isso vou deslocá-la para um outro espaço em branco desta página porque ela está fora de foco. ou quem sabe esta frase deixe de existir. uma vez que nada existe aqui. esta página está em branco. mas ela poderia estar em amarelo. um fundo amarelo. azul, não! lilás, talvez. que importância teria a cor. melhor não haver mesmo fundo algum. cor alguma. nada escrito aqui. como de fato não há. me dou ao luxo do vazio de sentidos. fui sensata em escolher o silêncio porque ele me diz mais coisas que propriamente o falar. quando aqui sentei para escrever, me dei conta do vazio que sou. do branco absoluto das palavras que me cercam. que experiência mágica é esta de não poder dizer nada quando se tem tudo para dizer. ficar somente aqui olhando para o vazio desta página junto de ti sem nada poder entender ou extrair coisa alguma dela. não é maravilhoso. e não adianta você discordar de mim porque já disse que nada tem de escrito aqui; se eu fosse você trataria de pular para uma outra página certo que nada, nada, nada mesmo vais encontrar aqui. o que não adiantaria muita coisa porque você está preso aqui comigo nesta página em branco. não há como sairmos daqui. contudo, mesmo no vazio, há a beleza deste encontro. desta contemplação. vê se não é mesmo lindo o vazio de uma página em branco. nunca estivestes diante de uma página em branco, não é mesmo. mas não se desespere. para compensar, ao invés de escrever qualquer coisa, vou desenhar… uma flor! é isto mesmo, uma flor! uma flor se expressa mais que palavras. toma esta flor pra ti! ahhh, queria estar aí ao teu lado só para ver sua carinha de espanto. de decepção. este seu balançar de cabeça em desaprovação. esta sua falta de credulidade. tenho em mim mil motivos para não escrever nada; para não habitar nesta página. nela nada se move. nada há. esqueça! estás preso comigo nesta página em branco...

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