quarta-feira, 10 de junho de 2020

Conto: O BENFEITOR, de Márcia Antonelli

Conto


O BENFEITOR
por Márcia Antonelli

I
O Benfeitor agia sozinho e sempre à noite. Compadecia-se com os excluídos e injustiçados. Doía-lhe no coração a dor que vinha daquelas feridas humanas. Por isso, tornara-se o Benfeitor. Só ele poria fim as enfermidades e sofrimentos daqueles miseráveis seres. Suas benfeitorias, contudo, foram ocupando páginas nos jornais da cidade. Com a aproximação do natal, suas benesses se intensificavam ainda mais.

II
Cleócio – vamos chamá-lo assim - saíra para manguear em sua cadeirinha de rodas. Ele tinha uma perna amputada e gangrena no pau. O fedor que vinha de seu membro gangrenado, empesteava as ruas da cidade. Na véspera de natal, Cleócio paquerou um pão na confeitaria da Sete, mas fora logo expulso em razão de seu fedor insuportável e sua condição de doente e miserável. Mas é que ele sentia fome e também precisava de um short novo, pois que o seu já revelava um rasgo feio bem na frente por onde escapava-lhe o pênis com gangrena espalhando terror, nojo e raiva nas pessoas.

III
Bom, aconteceu que um certo dia, Cléocio e o Benfeitor encontraram-se na madrugada, bem na esquina da Getúlio com a Sete, onde o aleijão e um traveco dividiam um ponto. As luzinhas de natal piscavam nas árvores. Delas saíam musiquinhas doces de partir o coração. O Benfeitor foi encostando o carro devagar e baixando os faróis que saltavam vapor na noite fria.

Passavam das duas…

Olharam-se com cautela. Cleócio foi ao encontro dele com sua cadeirinha de rodas. O vidro foi baixando devagar. Dava para ver que o benfeitor tinha uma cara larga e olhos generosos. Cleócio como de costume, estendeu suas mãos. As luzinhas continuavam a cantoria. Desconfiada, a lua escondia-se por detrás dos prédios anões. O Benfeitor retirou do porta-luvas o maquinário disparando um certeiro no peito do traveco e um outro na testa do aleijão, que tombou ali mesmo sobre a cadeirinha de rodas...

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