quinta-feira, 11 de junho de 2020

CONTO: A GARÇONETE SEM CALCINHA, de Márcia Antonelli

Conto

A GARÇONETE SEM CALCINHA
por  Márcia Antonelli

EU SEI. Sou um espírito porco bebendo nesse chiqueirinho de merda. Mas tenho lá minhas razões que são óbvias e francas: A Garçonete sem calcinha. É ela a causa de todo meu sofrimento e torpor. Deste meu eczema. Imaginem que ela tem um rosto infantil e uma nádega boa. E a impressão que se tem é que ela nunca usa calcinha. Faça frio ou calor. Sol ou chuva. Tenho quase certeza disso. A garçonete está nua! E se porventura ela assim o faz, é somente para me provocar, porque é evidente que ela sabe que sou um homem ordinário e doente.

É natural que o senhor estranhe este meu comportamento. Este meu desvario. Mas devo prosseguir. Reparem agora que levo o copo devagar à boca que até sinto  meus dentes trincarem na borda de vidro. Como se o mordesse, o que na verdade o faço.  Tenho este costume de morder as bordas do copo. Mas é impressão minha ou as bordas deste copo me ferem os lábios. Sinto-os sangrar. Pedirei pra garçonete trocar. Assim eu a sinto mais próxima de mim. O seu cheiro. Ela se diverte com minha presença nesse chiqueirinho insalubre. É natural que o senhor estranhe. Mas é que a feiura destes outros velhos em minha volta é que me dói. (tusso) Todavia, eles tem o direito de vir aqui e sonhar com a garçonete sem calcinha. Masturbam-se. Desejam-na. Há  em tudo isto, um mistério insondável. A do desejo platônico das paixões que dominam as nossas almas passivas. Se prestarem bem tenção, o velho a minha esquerda pressiona devagar seu músculo morto enquanto bebe sua cerveja. Vive no mundo da fé. A velhice é imoral. É uma besta de canino careado e esquecida em um bar sordidinho. Levo novamente meu copo à boca. Assim, bem devagar. Apreciem com moderação. Sempre que faço isso, um novo desejo me aflora. Como uma margaridinha sem anáguas. Vou me perdendo em meus devaneios líquidos. Mas a gente se perde que é pra se encontrar. Eu me encontro no fundo do que sou. Sou esta superfície lisa e plana. Ela agora sorri pro flanelinha que tem um membro rijo e uns pészinhos tortos. Mas não é disso que quero falar (dos pészinhos tortos do flanelinha) Mas do cheiro da garçonete. Byron chamaria isto de instinto leviano da nobreza. Seja o que for, da pele emana o cheiro. Um cheiro que entorpece. Que alucina. Um cheiro sujo. A garçonete não tem cor. Desço levemente o copo sobre a mesa. Nada do que somos é uma verdade inteira. A nossa mentira é que são os nossos valores mais nobres. Mentira! Mas por que isso agora. Voltamos ao cheiro que emana de sua pele. Um azedume bom. (tusso outra vez, que raio!) Um azedume bom, eu disse. Venho só para ver seu corpo moreno, suado no calor destas tardes febris de agosto e sonhar. Suas omoplatas ondulantes que saltam sobre a pele. O sal das axilas. O corpo transparente de prazer. O azedume de tudo. Penso que se ela se inclinasse mais um pouquinho só que seja enquanto limpa as mesas com seu paninho fedido, daria certamente para ver se neste dia, ela estaria ou não usando calcinha. Mas é certo que não. A Garçonete está nua! Faça chuva  ou sol. Calor ou frio. Ela vai estar sempre nua! Vem trabalhar sem calcinha. Engulo a prece. A vida passa devagar como a sombra de um boi. Espero um dia ela inclinar-se para vê-la melhor por dentro. Mas enquanto isso não acontece, ela me sorri de lá.
Abaixem a cortina!
Seguimos...

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