terça-feira, 2 de junho de 2020

Desdobramentos das teses sobre a questão militar ou o que fazer?, por Gabriel Henrique

Coluna Conjuntura Marxista




Desdobramentos das teses sobre a questão militar ou o que fazer?
por Gabriel Henrique

Como sustentamos em outro texto, há dois pontos arquimedianos que não podemos negligenciar, em hipótese alguma, se quisermos sustentar uma atuação política efetiva e eficaz na atual conjuntura brasileira, a saber: 1) a política ultraliberal e anti-nacional será a política econômica do Executivo Federal, qualquer que seja o desenrolar da conjuntura e 2) os militares exercem um papel externo de controle da política econômica brasileira, seguindo os ditames do capitalismo central. Partindo desses pontos, e em virtude dos últimos acontecimentos, faz-se necessário, primeiramente, evitar fazer política com o fígado, ao calor das emoções, evitando assim repetir os conhecidos erros de 2013 e sermos meros marionetes frente aos interesses da classe burguesa.

A primeira pergunta que se coloca é que, se as Forças Armadas estão num papel de Deus ex machina da política nacional, ditando as regras do jogo e agindo preventivamente  no intuito de manter o controle da política econômica – não descartando do jogo político a intervenção direta – o que restaria a nós como opção de luta política frente a uma conjuntura que se desenha como tragédia?

Os atos "antifa" que brotaram no último domingo surgiram de maneira heterogênea e com caráter pouco definido. Claro que, pontualmente, foi uma organização específica que, justificadamente, iniciou o enfrentamento – a Gaviões da Fiel – mas rapidamente os atos foram se diluindo, fragmentando-se. Curiosamente, foram logo abraçados pelos monopólios de mídia, como CNN, Rede Globo e Valor, que imediatamente criaram uma narrativa favorável aos mesmos, tratando-os como atos "pró-democracia", enquanto que os bolsonaristas fomentavam atos "antidemocráticos".

Ora, não surpreende que veículos como esses, verdadeiros partidos organizados da classe dominante e do imperialismo no Brasil, tratem os atos "antifa" dessa forma. O que acontece é uma verdadeira disputa pelo destino e pelo conteúdo desses atos. A burguesia brasileira governa sobre um barril de pólvora, sobre centenas de trabalhadores superexplorados que vivem uma vida miserável em um capitalismo dependente. A qualquer momento o barril pode explodir. Digamos que uma fagulha foi acesa, mas, até onde temos visto, a iminente “explosão” está, desde já, sendo direcionada pelas forças burguesas para consecução de seus objetivos, e não os dos nossos. 

O anticomunismo é arma contra a difusão do marxismo dentro dos trabalhadores. A difusão ideológica do liberalismo, da visão de mundo da classe burguesa, assegura o domínio desta classe. Resta claro que frações da burguesia brasileira, especificamente o lavajatismo e Sérgio Moro, junto com o imperialismo, pretendem utilizá-los como ferramenta em sua luta contra o bolsonarismo pela gestão da crise capitalista no Brasil. Não à toa os liberais de todos os lados movem uma verdadeira guerra ideológica para condenar os comunistas e o marxismo. E para isso, se valem de tudo, do esvaziamento semântico e ideológico dos símbolos e da tradição antifascista até sua deturpação, na bizarra concepção de antifascismo sendo anticomunista. Até a aparição de obscuros grupos como o "Anonymous" – que até ontem em seu Twitter ao mesmo tempo em que atacava o clã Bolsonaro destilava conspiracionismo anti-Rússia e anti-China e propagandeava atos “sem violência”, “depredação”, “quebra-quebra” – é um toque de alerta importante, pois sugere que temos todos os elementos que sustentam uma guerra híbrida em curso promovida pelos setores acima referidos. 

E para além da disputa das frações burguesas, repousa o Partido Fardado, placidamente, pois quem quer que ganhe desta disputa não fará nada fora do script ditado por eles.

Mas, então, o que fazer? Ficar em casa, cair num niilismo político e se negar a disputa política e ideológica com forças que sim, são mais fortes, mais hegemônicas? Não, os comunistas não podem se furtar à tarefa de disputar o conteúdo e o destino desses atos, sob pena de cair em esquerdismo infantil. Entretanto, para que realmente possamos ser atores políticos e não meras cartas na manga dos interesses burgueses, é fundamental que os referidos atos ganhem capilaridade entre os trabalhadores, ganhe o seu apreço, simpatia e apoio público, e isso só será possível se nos referirmos diretamente à realidade material imediata da classe trabalhadora, suas necessidades mais prementes. Não é possível falar tão somente de "antifascismo" e de "fascismo" para a grande massa do trabalhador brasileiro, essa é uma verdadeira abstração sem sentido para ele. A população brasileira está morrendo aos milhares, entregue à morte pelo governo em meio à uma pandemia, sem trabalho, ou com um trabalho completamente precarizado, com um salário de fome. É com essa consciência que temos que dialogar. 
Para que não repitamos velhos erros, acreditamos que o fundamental é:

1) Assumir clara e energicamente um discurso antiliberal. É preciso juntar os ânimos contra a agenda antinacional e neoliberal de Guedes, revestir os atos de um profundo caráter antiliberal, denunciar as privatizações, o saque ao patrimônio público, o ataque ao serviço público, o caráter profundamente empresarial do afrouxamento da quarentena, o verdadeiro assassínio cometido com as reformas trabalhistas e da previdência, o desemprego crescente, etc.; 

2) É preciso resgatar a ideia de utopia das garras da ultradireita. Não, não é uma disputa de uma abstrata “democracia” contra uma abstrata “antidemocracia” como pregam os ideólogos burgueses. É uma disputa por quem vai ditar as regras do jogo com a supressão da velha Nova República. É preciso levantar dentro das consciências dos trabalhadores a ideia de que sim, é possível mudar, e temos condições para tal. Não se pode – e a tentação, a conhecer alguns partidos e centrais sindicais, vai ser grande – em hipótese alguma, fazer dos atos uma defesa das velhas e carcomidas estruturas;

3) A participação das centrais sindicais e movimentos sociais em geral é necessária, ainda que estejam sob a direção do carcomido social-liberalismo, tais organizações ainda mantêm alguma penetração entre os trabalhadores e é imprescindível que elas participem;

4) É preciso se apropriar dos símbolos nacionais, não como chauvinismo barato, mas como uma necessidade de se mostrar ao trabalhador brasileiro que a defesa da nação e dos interesses nacionais perpassa diretamente pela luta contra o neoliberalismo e a agenda entreguista de Paulo Guedes, que quer entregar as riquezas nacionais às potências estrangeiras, notadamente ao imperialismo americano. Defender a soberania nacional e os interesses nacionais é defender a supressão da velha República comandada pela burguesia brasileira;

5) O trabalhador brasileiro, esse ator político que parece que foi renegado ao esquecimento, é o único que, devidamente organizado e orientado, pode levar a derrota completa não apenas as frações burguesas agora em disputa (Bolsonaro, Paulo, Guedes, Rede Globo e Sérgio Moro) mas o próprio Partido Fardado.

6) A defesa da democracia é a defesa da Velha República, a República que, por meio do presidencialismo de coalização, destruiu a possibilidade de uma aposentadoria razoável do trabalhador brasileiro, que achatou os seus salários por meio da reforma trabalhista, que aumentou o desemprego propositalmente como meio de diminuir sua capacidade de forçar os patrões a lhes fazer concessões, que o joga para viver sob à mira da Polícia, do Tráfico em condições sanitárias e habitacionais insuportáveis, etc. A defesa da democracia é a defesa da falida República burguesa, e essa República é indefensável ao trabalhador brasileiro. 
E por fim, reiteramos que não dá para fazer isso sem assumir tanto nossas bandeiras e símbolos históricos, quanto nossa própria história, que com erros, acertos e experiência, nos trouxe ao estado atual.

De outro modo, a tendência é que os atos virem verdadeiro território liberal – ou fique muito restrito a grupelhos específicos – muito distantes de conseguir capilaridade entre os trabalhadores, sendo utilizados pelas frações da burguesia brasileira e do imperialismo em luta contra o bolsonarismo.

Só um caminho a se seguir e esse caminho perpassa pela luta de massas.

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