sexta-feira, 19 de junho de 2020

Reflexões sobre a crise brasileira e a luta política, por Gabriel Henrique

Coluna Conjuntura Marxista

Reflexões sobre a crise brasileira e a luta política
 por Gabriel Henrique

A prisão de Sara Winter, a queda de Weintraub e a prisão de Queiroz não são acontecimentos independentes e fortuitos nessa conjuntura. Tratam-se, claramente, de uma cruzada promovida por diversas frações da burguesia brasileira contra Bolsonaro e sua família; a prisão de Winter e a queda de Weintraub promovem uma verdadeira depuração do setor mais “linha dura” do governo, com traços tipicamente fascistas – algumas falas de Weintraub deixariam qualquer integralista com inveja – e que tornavam o governo Bolsonaro demasiado errático na relação com determinadas frações de nossa burguesia; tal depuração é operada pelas próprias frações da classe dominante e não são fruto do “espírito” republicano das instituições. Por outro lado, o caso Queiroz é um elemento diferente nesta conjuntura, o que vemos é que, a partir de métodos tipicamente lavajatistas, frações diversas da burguesia brasileira pretendem colocar Bolsonaro contra a parede, com a faca e o queijo na mão a qualquer tempo poder-se-ia promover a completa falência do governo perante à opinião pública a partir de um caso de corrupção típico da pequena política praticada em solo brasileiro. 

Ora, é claro que nenhum desses acontecimentos é o resultado da ação organizada dos trabalhadores, antes é o resultado da disputa que acontece no seio da própria burguesia. A prisão de Queiroz deixam intactas as figuras dos militares e de Guedes, e para nós é claro que a operação que se sucedeu hoje não deve ter acontecido sem a anuência de boa parte do partido fardado; já Guedes representa, in persona, a agenda da própria burguesia brasileira e, por isso, não pode ser desmoralizado sob o risco de desmoralizar também essa agenda – o que não significa que ele não possa sair por outros meios. Neste ponto é importante retomar a tese 5 de nosso escrito Teses sobre a questão militar e a crise capitalista¹. 

 Tese 5: Nos parece muito evidente que os militares se encontram em posição muito confortável no momento; pois, apesar de terem desembarcado em massa no corpo burocrático do Estado brasileiro por meio da gestão de Jair Bolsonaro, os militares podem, a qualquer tempo, por meio de alguma manobra institucional, jogar Bolsonaro às baratas e promover um governo de “conciliação nacional” por meio do vice-presidente Mourão; esse é o motivo de assegurar a legitimidade jurídica do papel interventor das Forças Armadas com base em interpretações de dispositivos presentes em nosso ordenamento jurídico. 

Como pode ser visto acima, entendemos que as análises de dispositivos presentes em nossa Constituição Federal que assegurariam um papel “moderador” às forças armadas têm o objetivo de avalizar uma possível ação proveniente do partido fardado, mantê-la sob a égide da “normalidade” jurídico-institucional. Bem, se essa é uma das opções para uma eventual derrocada do governo Bolsonaro e a assunção de um governo de conciliação nacional via Mourão; há, também, a possibilidade de derreter o governo Bolsonaro perante à opinião pública e, como a família Bolsonaro é uma família que sempre fez a típica política de gabinete, a pequena política, é evidente que não se perderia tempo de inquerir sobre a possibilidade de existir alguma prática de corrupção – típica dessa pequena política. 

É nesse contexto que se insere o caso Queiroz, como uma possibilidade real de se derreter o governo Bolsonaro a partir de um grande escândalo de corrupção e deixá-lo nas cordas, podendo assim, a qualquer tempo, promover Mourão à presidência. Setores do partido fardado, lavajatistas, Rede Globo e amplas frações da burguesia brasileira parecem estar nessa cruzada: enfraquecer Bolsonaro, aumentar o poder dos militares em seu governo e, assim, permitir uma eventual troca em momento oportuno. 

Sem a existência de uma pressão movida pelas grandes massas proletárias organizadas a burguesia brasileira se vê em uma situação confortável: não precisar mover o atual regime democrático-burguês em direção a um regime de exceção, basta deixar essa carta sempre na manga. A burguesia brasileira precisa, hoje, aprovar as suas reformas e medidas infra-constitucionais para recuperar os seus lucros a partir de uma crescente pauperização do trabalhador; no entanto, é evidente que tais medidas vão acarretar no aumento da miséria social e isso haverá de acirrar a luta de classes e a possibilidade de distúrbios e revoltas mais frequentes, do aumento da consciência sindical, além de promover a possibilidade de maior inserção dos comunistas dentre os trabalhadores. 

Ora, sendo assim, a burguesia brasileira precisa, sob os ares do atual regime democrático-burguês, tornar a sua dominação cada vez mais autocrática – ela não precisa romper com a ordem atual ainda, pois não se vê ameaçada, mas ao mesmo tempo nada a impede de dotar o Estado brasileiro de uma forma mais, reiteramos, autocrática. É o que vem se desenhando desde o governo Dilma-Temer, principalmente a partir da lei antiterrorista, das leis que quebraram o poder de barganha dos sindicatos frente ao patronato e do “retorno” do partido fardado – este nosso Bonaparte - ao alto escalação da gestão estatal.  

As disputas que atualmente ocorrem e que aparecem sob a forma de uma luta encarniçada entre indivíduos isolados e instituições, mas que são, na verdade, contradições intra-burguesas, revelam o seguinte: com ou sem Bolsonaro o vale de lágrimas permanecerá. Podemos, aqui, recuperar duas de nossas teses do mesmo escrito, Teses sobre a questão militar e a crise capitalista

Tese 13. Pouco importa, por conseguinte, a forma com que o Estado se manifesta, a tutela militar tem apenas um objetivo: a manutenção do subdesenvolvimento brasileiro. Que isso se mantenha com o presidencialismo de coalizão da "Nova República" em decadência, ou através de um processo de impeachment, ou se recorrendo ao art. 142 da CF/88 revestindo de legalidade 1964, a forma de manifestação esconde uma essência e objetivo comum.
Tese 14. Independentemente do caminhar da conjuntura e de quem saia vitorioso na luta pela gestão da crise capitalista, nos parece cada vez mais certo que há dois pontos arquimedianos: 1) a política ultraliberal e anti-nacional será a política econômica do Executivo Federal, qualquer que seja o desenrolar da conjuntura e 2) os militares exercem um papel externo de controle da política econômica brasileira, seguindo os ditames do capitalismo central.  Nesse sentido, a permanência ou não permanência de Guedes não poria fim a essa política econômica, mas significaria apenas a sua atenuação; acrescentamos, no entanto, que a conjuntura não parece caminhar nesse sentido e que, aparentemente, toda a burguesia nacional está “fechada” com Guedes – mesmo que ainda existam setores keynesianos em algumas frações da burguesia brasileira.

Não podemos ter ilusões com uma possível derrocada do governo Bolsonaro, a tendência é que sem a condução errática do atual chefe do executivo as reformas econômicas e demais medidas infraconstitucionais saiam até mais rápido. Com um governo de conciliação nacional, uma ampla coalização com todos os setores da burguesia brasileira, as reformas tenderiam a passar sem dificuldades e sem tanto alarde, tal como as que se sucederam no governo Temer; em todo o caso há um destino comum para os trabalhadores: arrocho, desemprego, miséria social, subemprego, etc.  Aqui retomamos a reflexão que fizemos em outra de nossas teses

Tese 8. O veredito parece mesmo que será dado pela agudeza da crise capitalista, que começa a soar forte em território nacional, com a explosão do número de desempregados e com a recessão que bate à porta. Somente agora a consciência burguesa parece ter entendido que não adianta afrouxar a quarentena nos Estados, pois não há demanda com a retração da renda dos trabalhadores e tampouco há oferta como havia anteriormente, visto que a maior parte dos pequenos proprietários foi à falência -- o crédito necessário para sua subsistência não fora fornecido pelo Governo Federal -- e seus capitais foram conscientemente jogado na mão dos monopólios. Para se manter a taxa de lucro, recorre-se a mais valia absoluta. Arrocha-se o trabalhador. Flexibiliza-se ainda mais a legislação trabalhista. A opção keynesiana, queridinha de liberais em tempos de crise, no atual estágio do modo de produção capitalista, parece só se aplicar aos países centrais do capitalismo. Aos países dependentes, resta a política neoliberal, que tem na figura de Paulo Guedes a única unanimidade hoje dentro da burguesia nacional.

A brutal crise capitalista, a maior desde a crise de 29 e, talvez, mais aguda – pois o remédio keynesiano parece não fornecer mais os mesmos resultados – abre uma novo momento da luta de classes no mundo, cujo acirramento se dá cada vez mais de forma inexorável. Destarte, a nossa situação atual só pode mudar a partir da luta de massas, com a radicalização de nossas posições e com o horizonte socialista. O oco desenvolvimentismo de Ciro Gomes só pode vir a acontecer por meio de um amplo acordo com a burguesia brasileira, arregimentando as mais diversas frações de nossa burguesia, mas o interesse dessa mesma burguesia é manter o nosso subdesenvolvimento; o único caminho que nos resta é retomar a luta pela revolução brasileira e pelo socialismo, só a ruptura promovida pelos trabalhadores brasileiros pode abrir uma nova era e um novo horizonte.  Os trabalhadores e as organizações revolucionárias não podem ficar, como Estragon e Vladmir, Esperando Godot.   

Notas:
¹https://basemao.blogspot.com/2020/05/teses-sobre-questao-militar-e-crise.html

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