Conto
A fábrica
Chegou cedo, como de costume. Não se incomodava mais em estar sozinho. Talvez, nos primeiros dias, tenha se sentido um tanto estranho. Porém, quando viu que não tinha alternativa, conformou-se. Era isso ou nada. Ademais, havia a voz metálica e lembra-lo constantemente de que era o funcionário de ouro, o eleito, o escolhido.
-Se você ficou, é porque sem dúvida fez mais do que os outros.
O áudio ecoava pelo prédio, a recordá-lo de que sempre estava sendo observado. O novo modelo, do qual era o grande protótipo, anunciava-se ao mundo como uma revolução. Imagine a produção inteira comandada com um único funcionário. Que progresso! Todas aquelas máquinas em atividade, trabalhando em movimento harmônico e uníssono, ordenadas por uma consciência apenas. Sim, e ele era a grande engrenagem de comando, selecionada entre milhares de outras, e que haveria de inaugurar a nova era.
-Orgulhe-se. Orgulhe-se.
Parou para o almoço. Esquentou a refeição trazida de casa. Era mais saudável, dizia e esposa. Além disso, demonstrava sua preocupação em não trazer gastos desnecessários para a empresa. Certo que seria bem visto por tal decisão. Aliás, foi dessa maneira que chegou aonde estava. Refletiu por alguns instantes, e em seguida percebeu que já tinham se passado quase quinze minutos. Estava desperdiçando tempo.
Entretanto, nem tudo eram boas notícias. Do lado de foram, corriam boatos de que uma rebelião estava por vir. Não, não queriam destruir a fábrica, falavam que esta ficaria. O que desejavam os amotinados era rumar para a casa dos donos, para as sedes corporativas do poder, para o centro. No princípio, tais conversas tinham sido ignoradas, porém agora pareciam ser objeto de preocupação. Os reclames estavam cada vez mais constantes.
-você é o nosso bastião. O vencedor que está acima dessa inveja. Resista.
E a verdade é que, de início, prontificou-se mesmo a resistir. Não deixaria seu lugar por nenhum motivo. Tinha se esforçado muito para permanecer ali. Certo, alguns amigos foram demitidos e ficaram na pobreza. Mas, o que fizeram depois disso? Ninguém consegue trabalho apenas reclamando.
-vemos que aprendeu conosco muito bem.
Todavia, e isso contava a muito poucos, provavelmente só à esposa, algo, uma ideia, germinava estranha dentro de si. Para ser sincero, tudo fora causado por uma frase de um livro, que estava gravada nos panfletos. Depois dela, sentiu-se perturbado, e já não pôde ter certezas como antes, e, embora não deixasse transparecer a ninguém, o que significava tanto para ele começava a pôr-se por perdido. Lentamente, em curso havia uma mudança.
Começou a operar as máquinas, em sua rotina vespertina. No entanto, houve um momento em que não mais conseguiu. Sem aviso, os músculos de suas mãos e braços retesaram, e viu crescer em si um anseio, uma força, que o dominava e o dirigia ao sentido inverso do que se encontrava rumando. Por um instante, quis a impelir, só que essa se mostrava agora irresistível. Não tinha mais meios de parar. Só poderia ir adiante.
-se sair da fábrica, ficará na miséria. Pagará muito caro por isso.
Arremessou o uniforme no chão, e em seguida quebrou o cartão de ponto.
-há milhões de pessoas lá fora para substituir seu posto. Não acredite nessa meia-dúzia de infelizes.
Pela primeira vez, a voz parecia ter um tom humano, apesar de odioso e violento.
-é uma ordem. Fique!
Mas ele se encontrava longe, e já não a ouvia. Na rua, os gritos frenéticos tomavam as esquinas. Mas eram vozes alegres, de liberdade incontida. Um outro mundo começava àquela hora. Nada mais estava em sua ordem obscura.
Victor Leandro
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