Comunidade Monte Horebe, março de 2020. Foto: Portal do Movimento Popular |
Os deserdados da Terra
os deserdados da terra
se contorcem dentro de um útero
precisam nascer
querem nascer
mas há um velho muro de pedra
um velho muro de pedra
e um dia de fome
o aluguel da existência
a ser pago antes do
final do corrente mês
deus do céu
quantos porquês
explicações esdrúxulas
inclinações burguesas
subterfúgios egoístas
retóricas apodrecidas e
um afago antirrevolucionário
diante dos pescoços
que não param de tombar
na periferia
da periferia
da Paris dos trópicos
esquecida
da América Latina
os anos passam e
novamente estamos aqui
os filhos de ninguém
donos de nada
no primeiro vacilo
outra vez – ao meio
partem nossos crânios
sonhei com um poema
mais leve e não encontrei
vi a realidade sombria
desgraças e espasmos
misturados com sangue
ante ao triste rosto
do recém-chegado
dentro de um útero
hostes de meninos sem dentes
vagam enquanto a febre
devora o que resta
de infantil em seus corpos
precisam nascer
querem nascer
mas há um velho muro de pedra
um velho muro de pedra
e um dia de fome
o aluguel da existência
a ser pago antes do
final do corrente mês
deus do céu
quantos porquês
a fé nos homens
ligeiramente abalada
causas sobre causas
e de repente um deserto estéril
nos assombra
já quase nada se fala
proibiram-nos
os sonhos e as palavras
o passado se anuncia
os dias se arrastam
como malditos fantasmas
velhas-novas tragédias
a miséria nos afaga
os rostos entristecidos
a passividade brota
como a última quimera
aberta na chaga do oprimido
uma vala no chão da própria carne
os deserdados da terra
se contorcem dentro de um útero
precisam nascer
querem nascer
mas um velho muro de pedra
um velho muro de pedra
e um dia de fome
o aluguel da existência
a ser pago antes do
final do corrente mês
deus do céu
quantos porquês
Dom Alencar
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