Estado de sítio
por Victor Leandro
A verdadeira cidade sitiada é o mundo sob o capital. Por detrás de suas paredes violentas, nós nos oprimimos, matamo-nos e enganamo-nos numa pandemia constante, onde só uma plutocracia preguiçosa - rentista - dispõe dos meios para manter-se viva, enquanto aos demais restam a fome e a doença, no que os mais pobres perseveram tão somente pela força de seus instintos primitivos de subvivência.
Segue daí que não deveríamos estar surpresos com o surto virótico que nos toma conta. Ao final, realmente não estamos. De uma maneira íntima, dávamos como certo que isso iria acontecer. Somente aos ricos fora dada ingenuidade o bastante para ignorar tal coisa. O abismo nunca deixou de estar no nosso horizonte.
Mas claro, certos hábitos são difíceis de desfazer, e, embora conheçamos o que virá, não significa que tenhamos certeza de como agir. Nossa reação imediata é seguir o fluxo, ou pior, preocuparmo-nos com coisas absolutamente supérfluas e ditadas pela ordem dos opressores. Quanto está o dólar? E a bolsa? O que será da economia? Esses comércios vazios?
Nesse sentido, a peste - camusiana por definição - se nos afigura como uma grande possibilidade de mudança global, pois é apenas por meio de suas interrupções forçadas e da solidariedade que poderemos não só nos salvar fisicamente, mas também refletir e perceber como não é nada difícil tomarmos um outro rumo, que na verdade ele é o mais lógico, o ululante, o qual só não vemos devido a nossas vistas embotadas pela falsidade encantatória dos sistemas. Contudo, no confinamento de nossas casas, na dura solidão dos dias silenciosos, conseguiremos achar o que sejam verdadeiramente a liberdade e o companheirismo, e então, tal como o retirado da caverna platônica, não teremos mais meios de voltar ao que éramos antes.
Devemos superar a calamidade, e superaremos. Porém, se tudo der mesmo certo, as portas que antes utilizávamos já não nos poderão servir. A saída será por um caminho novo, não trilhado, mas que iremos percorrer coletivamente. Acaso falamos de socialismo? Sim, ele é exatamente o que está para além de nossos muros.
Parabéns, Victão. Texto atualíssimo sobre a façanha do capitalismo selvagem...
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