quinta-feira, 5 de março de 2020

"Ele suspira [...]", de Bruno Oliveira

Conto



*Ele suspira. Um alívio. A causa do alívio foi o ônibus pego a tempo? Não sei. Sua expressão é triste. Um homem triste. Não sabe para onde ir? Será, assim, um homem igual a mim? Acho que quer chorar. Outro suspiro. Ultimamente este bairro está perigoso de mais. Talvez tenha sido roubado, por isso o suspiro. Por isso, a tristeza. Tem olhos de quem quer chorar. Se ele começar a chorar, eu choro também. E aquela moça? Ela também parece triste, mas não suspira. E aquele rapaz forte? O melhor que esse bairro pobre pode parir. Mas ele chora. E todos olham para ele. Choro compulsivo. Aquele choro que aperta o peito e renova a alma. Todos o olham; o homem do suspiro, a moça, eu, o cobrador. Ih, e agora? Todos choram. Assim como o riso, o choro é contagiante. Uma corrente elétrica em motores tristes só pode resultar nisso. Choro coletivo. E lá vai o ônibus. Só não chora porque é maquina, mas nem precisa, pois a cidade chora por ele. A cidade cinza, os homens morenos, as mulheres castanhas, os meninos bêbados; todos choram.
            OPA!
            Alguém rir! Alguém rir!
            As flores estão florindo?
            O céu está ficando azul?
            O rapaz chorão ensaia risos tímidos?
            UAU!...
            Mas espera!
           Mataram o engraçadinho. Tragam, por favor, o pano do pranto.

Bruno Oliveira



*Conto publicado no segundo volume da revista Bodozine, lançado no dia 05 de dezembro de 2017, no auditório anexo da Escola Normal Superior (UEA), em Manaus. Na ocasião, o escritor Milton Hatoum, que prestigiava o evento, fez o seguinte comentário a respeito da revista: "Nem tudo é poesia".

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