Delírios pandêmicos
Faz dois, talvez três, seguramente quatro dias. Minhas recordações são apenas de claro escuro vindo da janela. Eu abro os olhos e ainda penso, sinto calafrios e trêmulo. Não, é apenas angústia. 36,4 graus celsius no termometro e o real que me diz, não estou doente. Mas há os que estão, e os jornais confessam que já perderam a conta dos números. Sim, é noite. O som vazio dos carros transcorre a intervalos difusos.
O maior dos perigos é estar semiacordado enquanto assisto à TV. As imagens confundem-se e me invadem os sonhos com um factualismo sombrio, o absurdo mórbido da crise incontida, e é então que adormeço penetrante no limbo de todas as memórias que se misturam, e sou aí um soldado combatente, vitorioso e confiante, não preciso dizer o contrário da minha pessoa, a enfrentar os algozes perversos que estranhamente se transmutam, ora são lobos fardados ora formas indistintas, mas que no final identificamos com clareza, eu e meus compatriotas vermelhos, que são eles sem dúvida um conglomerado baboso de vírus e vermes, por cada lado saltitantes e ameaçadores, e frente aos quais investimos com nossas armas e botas. Sim, somos impiedosos contra esses inimigos, e é somente nessa impiedade que nos salvamos a nós e aos outros, até que então sorrimos, celebramos entre nós com afetuosos cumprimentos, ao que de repente estamos sentados em cadeiras tranquilas no descanso de nossos abruptos gestos. A pax gloriosa, a exultação infinda.
Então desperto. E é nessa hora que inicia de fato o pesadelo.
Contudo, resigno-me. A imobilidade é agora a maior das virtudes. Ademais, o que poderia mais pretender com minha tragicidade e meu niilismo? Tudo está como deve nesse confuso instante.
O sol nasce lá fora. Rio. Dou um salve ao Eterno Retorno.
Victor Leandro
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